Finis Hominis – (re)visão Mojica

Quando assisto a um filme do José Mojica Marins me vem à mente uma frase do livro Cinema de Invenção do Jairo Ferreira em que sobre A Meia Noite Levarei sua Alma ele diz: “cada fotograma filmado por Mojica respira cinema”. Só adicionaria que não é apenas no Meia Noite, mas em muitas obras do Mojica que temos essa sensação. 

Agora me parece um bom momento para tentar fazer uma série de textos sobre a obra do Mojica, muitas pessoas vão visitar e revisitar uma série de suas obras por conta do lançamento em Blu-Ray de algumas de suas obras. Infelizmente, por enquanto, só podemos ter acesso a esse lançamento importando lá de fora, mas espero que logo tenhamos por aqui.

José Mojica Marins é meu cineasta brasileiro favorito, de todos os tempos. E aqui não é menosprezando um Glauber, um Sganzerla, um Coutinho, ou quem quer que seja, é exaltando a genialidade de Mojica. Muito pela frase que eu citei ali do livro do Jairo. Parece que a cada minuto de um filme dele há uma expressa e reconhecível devoção ao cinema que poucos cineastas tinham e tem. Há uma genialidade brasileira em todos os seus filmes. Coisas, eventos, situações, acontecimentos que só poderiam acontecer e ser filmados aqui no Brasil. E não só isso, não há outro diretor que poderia filmar como Mojica filmou.

Muito lembrado – com razão – por Zé do Caixão, Mojica tem uma série de outras obras além daquelas com a figura do coveiro. Aqui temos o exemplo de Finis Hominis, uma história existencial de um homem que começa o filme andando sozinho e nu em uma praia e termina trajado como um profeta e acompanhado por uma multidão.

Mas vamos lá com calma pois o filme merece. Vemos um homem andando pelado pelas praias, mas não fica por isso mesmo, ele parte para a cidade e continua sua peregrinação. No caminho ele impede que uma mulher e sua filha sejam atacados por bandidos. O que estamos vendo parece ser um filme sobre um herói. E meio que isso se comprova ao longo da história.

Só que este personagem não é um herói comum. Ele não parece fazer isso por uma sensação de dever ou de vaidade, ele faz simplesmente por achar que tem que fazer. Há uma ingenuidade – depois explicada – nas suas ações que transforma todas as suas simples ações em coisas grandiosas. Suas falas, por ingênuas e simples fazem sentido, alias, faz mais sentido do que o próprio mundo em que vivemos. É uma ingenuidade ideológica contra um mundo cruel e desigual. O que para mim só aumenta o valor simbólico e cultura do filme, visto que ele é da década de 1970, em plena ditadura militar.

Não que eu acredite que Mojica estivesse ali fazendo um filme com a intenção de discutir os problemas e as mazelas do povo brasileiro. Acho que, assim como o próprio personagem do filme, suas ações (no caso, seus filmes) servem não só o seu próprio proposito (no caso, ser um filme) mas também para questionar todo o sistema e o modo de vida daquela época. É uma obra completa na sua incompletude. Não sei bem se isso faz sentido.

Alias, faltam dizer mais duas coisas: Finis Hominis é o nome do personagem pois ele ouviu em uma igreja e gostou. E, pode parecer – até pelo que já escrevi até aqui – que Finis é alguém que não sabe muito o que está fazendo e isso não verdade. Ele pode não entender as consequências (positivas e negativas) de suas ações, mas elas têm suas próprias motivações. Ele sabe o que está fazendo e sabe aonde quer chegar. Meio que para nos responder sobre está ingenuidade o filme termina com a frase: SE EXISTE: HÁ UMA RAZÃO DE EXISTIR.

Há uma razão para tudo ali.

E vale destacar que há uma outra obra com o personagem Finis Hominis, Quando os Deuses Adormecem e que será objeto de um texto futuramente.

Que bom é ter tido a oportunidade de ter em nosso solo um talento como Mojica. Esse trabalho aqui de revisão (ou visão para os filmes que eu nunca havia assistido) é um trabalho em progresso. Nos vemos logo mais.

Uma última coisa e que fica como recomendação, o colega Carlos Primati é uma figura central nos estudos do horror e do Mojica, nessa live do Dimitri Kozma há uma conversa muito interessante sobre o diretor e o lançamento do box de filmes citado aqui.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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