Godzilla Minus One

A ideia Godzilla/Gojira é uma ideia política anti-guerra. Se pensarmos no filme da década de 1950, vamos lembrar que a criatura é fruto dos testes nucleares feitos no mar e que o filme pode ser lido como uma parte do trauma depois dos ataques de Hiroshima e Nagasaki. Acredito que não haja como lidar com uma obra sobre essa criatura sem levar em consideração esse aspecto traumático de guerra.

Retomo isso para falar de Godzilla Minus One de Takashi Yamazaki, lançado em 2023 nos cinemas. O filme, assim como o de 1954, lida com as questões da guerra e parece se aprofundar mais em como as pessoas foram impactadas pela guerra do que com a criatura em si.

Mas vamos por partes. Evidentemente o filme trata da criatura Godzilla e a destruição em massa que ela pode ocasionar. Vemos as pessoas se organizando para lutar contra a criatura, buscando formas para parar o monstro e salvar todas as vidas possíveis e impedir que um desastre maior aconteça.

Nem precisamos olhar com tanta atenção para perceber que o novo Godzilla não é “só mais um filme de monstro qualquer”, e sim um filme com um significado enorme. O primeiro dele, e que aparece desde suas primeiras cenas, é o de ser um filme assumidamente anti-guerra. É uma obra que desde o seu início diz que não há nenhum sentido lógico para que algo como uma guerra exista e/ou possa ser defendido. E isso é algo que eu particularmente gosto em filmes que lidam com este tema. Não é um campeonato em que possamos escolher um time e torcer por suas vitórias e vibrar com as derrotas dos adversários.

A utilização de um piloto Kamikaze como protagonista da história foi um ponto crucial para fazer esse debate e para exemplificar ainda mais essa ideia de que a guerra não possui nenhum sentido.

Complementar a isso, a figura de Godzilla (o monstro mesmo) pode ser lida como um trauma de guerra. Óbvio, no filme realmente a criatura existe, mas entendo que assim como aquela criatura monstruosa no filme, há situações que foram vistas em guerras que nunca mais irá abandonar a mente das pessoas que presenciaram. Por isso que, em bons filmes sobre a guerra, percebemos que mesmo quando as tropas são retiradas, a guerra não realmente acaba. As pessoas que lutaram ali continuam convivendo com tudo que viram e fizeram durante aquela situação extrema.

Após ver Godzilla/Gojira e não cumprir a ordem de atirar na criatura, o piloto Shikishima (Ryunosuke Kamiki) precisa conviver com a memória de que seus companheiros morreram. E por conta disso acaba nutrindo um sentimento de culpa que vai acompanhar toda a sua vida. E mesmo que ele encontre pessoas que querem o seu bem, como é o caso de Noriko (Minami Hamabe) e Akiko (Sae Nagatani) ele não consegue “sair” e “superar” aquilo que viu na guerra.

Noriko e Akiko são personagens que também são frutos da destruição da guerra. Uma mulher e uma criança que acabaram juntas por conta da destruição que os confrontos causaram e que, por destino, encontram Shikishima e passaram a viver com ele.

No filme, quando finalmente as coisas começam a parecer caminhar para a normalidade, Godzilla (ou o trauma?) volta a assombrar a todos. Aqui é interessante perceber que somente com esforço coletivo, entre toda a comunidade, é que a criatura pode ser realmente combatida. Esse esforço se traduz em uma das cenas mais lindas do cinema recente ( cena dos rebocadores é de uma representação e simbologia incrivelmente linda).

Na verdade, tudo em Godzilla Minus One é bonito. Desde o visual da criatura, a forma como ele se mexe e até a destruição causada. Tudo ali é visualmente bonito.

E, quando achamos que não poderíamos ser ainda mais surpreendidos positivamente há um final esperançoso que só o cinema poderia nos proporcionar. Godzilla Minus One é a definição na prática do que o bom cinema é e pode ser.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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