Anatomia de uma queda

Entre os subgeneros do cinema, um que eu gosto bastante e sempre chamou minha atenção é o de filmes de tribunal. Sempre gostei de assistir a um filme em que argumentos são expostos de forma a convencer o júri/público sobre a inocência ou a culpa de um determinado personagem. 

Tenho lembranças de filmes assim e que, de certa forma, formaram minha visão do que é o bom cinema e da vida como um todo. Philadelphia (1993) de Jonathan Demme é um desses que vi quando mais novo e sempre reaparece de forma positiva em meus pensamentos. Mais recentemente tivemos um filme na Netflix que também me impactou bastante: Os 7 de Chicago (2020) de Aaron Sorkin. Ambos os filmes, cada um à sua maneira, acabou me impactando.

Quando soube que o filme Anatomia de uma queda, de Justine Triet tinha relação com um julgamento, eu logo me animei para ver. 

A história do filme é a seguinte: Sandra (Sandra), uma mulher, escritora e mãe, vive com seu filho Daniel (Milo) e seu marido Samuel (Samuel Theis) em uma casa relativamente distante da cidade e com difícil contato com o resto das pessoas. Um dia, Samuel acaba sendo encontrado morto e por não saberem se a houve ou não um assassinato, há uma investigação e um julgamento que tenta colocar em Sandra a culpa por essa morte. 

Anatomia de uma queda é um filme com tribunal e não de tribunal. Explico: o tema central do filme não é a batalha de narrativas que busca o convencimento do outro por meio de exposições de frente para um júri, tudo isso está no filme, mas não parece ser sobre isso. Na verdade, o tema é a relação entre Sandra, seu filho e seu marido. É sobre a relação de culpa e de cumplicidade. Sobre uma relação que se corrói por raiva e ressentimentos. 

Samuel se vê ressentido na relação por dois motivos: o primeiro é que Sandra é uma mulher bem sucedida na sua profissão e o segundo é que ao que parece, o marido se sente culpado pelo acidente que seu filho sofreu e afetou sua visão. Esses ressentimentos são demonstrados ao longo do filme por meio de gravações e lembranças das personagens do filme. Aliás, um dos livros da carreira de Sandra parece ter vindo de uma ideia iniciada de Samuel, e ele acaba por acreditar que Sandra só tem sucesso por conta de sua ideia e não deixa de jogar isso nas discussões que tem com ela.

Não sabemos ao certo o que aconteceu e nem as motivações. A verdade não aparece claramente na tela, só temos indícios do que realmente aconteceu. Anatomia de uma queda não te dá respostas fáceis sobre os acontecimentos. Te dá peças de um quebra-cabeças que você mesmo monta. Não só do acontecimento em si, mas também de como era a relação de Sandra e Samuel e com a família como um todo.

Nós, assim como um júri real, não sabemos ao certo o que aconteceu, temos para nós algumas informações e julgamos se elas são verdadeiras ou não. Somos apresentados a personagens complexos que estão passando por uma situação delicada e tentamos entender se elas estão falando a verdade ou não.

É interessante também que o fim do filme não parece o fim. Afinal, a vida daquelas pessoas não acabou só com o julgamento. As coisas continuam a acontecer e o filme continua na mente de que assiste durante um tempo. Pensando nele enquanto escrevo, a cada lembrança, o filme se torna ainda mais interessante. Fiquei ansioso para rever.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

%d bloggers like this: