O mundo depois de nós

“O mundo depois de nós”, de Sam Esmail, filme que chegou recentemente ao catálogo da Netflix é um daqueles filmes que pela sua temática e história carrega consigo uma enorme variedade de discussões. Essas discussões vão desde questões sociais e políticas até a forma em que o cinema é feito nos dias de hoje.

A história do filme é relativamente simples: uma família decide passar um período em uma casa alugada fora da cidade, acontece que nesse mesmo tempo o mundo começa a passar por uma crise, a internet para de funcionar e o mundo parece estar entrando em colapso. No meio desse caos a família que é composta por Amanda (Julia Roberts), Clay (Ethan Hawke), os filhos Archie (Charlie Evans) e Rose (Farrah Mackenzie) estão alugando a casa de G.H. Scott (Mahershalla Ali) e sua filha Ruth (Myha’la Herrold). Quando a crise se instaura e Scott decide voltar para a casa é o momento em que a história começa de fato.

O que de cara salta aos nossos olhos nessa chegada é o preconceito de Amanda. Ela não acredita que aquela casa luxuosa é daquelas pessoas, fica claro que essa desconfiança acontece por eles serem negros. Mesmo depois de diferentes provas, de mostrar que possuem a chave e tudo mais, para os olhos de Amanda é mais fácil aquelas pessoas serem empregados do que donos daquela casa.

O racismo é uma constante nos EUA (e no Brasil também) e a gente pode relembrar diversos outros momentos em que o tema é abordado (e até de forma mais contundente) na cinematografia do país. Mas é interessante que o tema esteja presente também em uma obra que se assemelha a uma espécie de biografia política do povo estadunidense. Vemos também uma espécie de “conspiracionismo” de personagens, de que há algo terrivelmente maldoso no mundo movendo tudo e todos como se fossem peças de xadrez em um jogo. Inclusive, há uma passagem no filme em que o personagem Scott diz que fez um serviço para uma pessoa que provavelmente faz parte de algum desses grupos.

Aliás, o filme é um pesadelo para que gosta de respostas fáceis e prontas. Não há muitas explicações, quais são os motivos daquilo acontecer? Quem foi o responsável? Há um responsável? O que ganha com aquilo? O que aqueles personagens fazem cotidianamente? Não há respostas simples e objetivas sobre essas questões.

Mas, para quem assiste ao filme prestando atenção você consegue identificar alguns elementos que podem te ajudar a achar alguma resposta (precisa mesmo?). Por exemplo: Rose está fascinada com a série Friends, algo que é bem comum nos dias de hoje. Muito por nostalgia daquele tempo para as pessoas que assistiam a série no momento em que ela era lançada e, depois, pela facilidade de acesso a ela por meio de plataformas de streamings. Aqui é importante dizer que essa “nostalgia” também é um produto fabricado, afinal, não é só a qualidade de Friends que faz a série ser revivida, mas diversos produtos sobre a série e menções a ela em novos produtos culturais, o que faz pessoas que não eram vivas ou não assistiram a série na época terem suas memórias (fabricadas) afetivas por ela.

Mas, as “respostas” que quero dizer com a questão de “Friends” não é nem sobre essa afetividade nostálgica fabricada, mas sim por uma questão de “segurança” e “insegurança” que os meios de internet e de streaming parecem ter quando falamos sobre uma espécie de preservação da arte em geral. Explico: a garota cria essa obsessão pela série por não conseguir assistir ao episódio final da série, que estava acompanhando por streaming no momento em que o mundo entra em colapso. Como se “soluciona” esse problema é simples e até um pouco óbvio. Me pareceu uma boa (e irônica) sacada da história.

Talvez este seja mais um exemplar de filme como o “Não olhe para cima”, que toca em assuntos relevantes para a sociedade, faz as pessoas discutirem e depois de algum tempo ninguém mais se importa ou nem mesmo se lembra dele. Mas, até que o filme é bom.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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