Locked Down

Estar em um relacionamento e viver com uma pessoa é uma experiência incrível (pelo menos é para mim). O fato de você dividir sua vida, sua rotina, seus momentos de lazer é algo que eu gosto bastante. Foi em uma dessas interações de casal quando minha digníssima esposa me enviou um filme para que assistíssemos juntos que descobri o filme “Locked Down”, protagonizado por Anne Hathaway e Chiwetel Ejiofor.

A história é dirigida por Doug Liman e tem o roteiro de Steven Knight. Mostra a vida de um casal que após uma intensa briga e que resultou na decisão de acabar com a relação. Seria uma história como todas as outras, se eles não tivessem que se manter confinados na mesma casa, mesmo após o termino, por conta da pandemia do coronavírus. Vemos então uma casa com duas pessoas enfrentando uma crise no relacionamento, enquanto estão enfrentando junto com todo o mundo, uma crise sanitária.

“Locked Down” já mergulha na pandemia que estamos vivendo, como é muito provável, muitos outros ainda o farão. O fato de estarmos confinados – ou pelo menos deveríamos estar – é o ponto de partida da história. Parece que os criadores do filme se perguntaram como estava a vida das pessoas que brigaram, mas não tiveram outra opção a não ser conviver uma com a outra dentro de uma casa. No filme vemos um casal, mas essa situação pode ser estendida e pensada a toda e qualquer outra forma de relação.

É muito interessante que não há um foco apenas na questão da relação entre os dois personagens, mas também sobre como cada um está enfrentando o isolamento causado pela pandemia e suas próprias relações pessoais e de trabalho. Pelo lado da personagem de Anne Hathaway ela se encontra feliz por ter um trabalho e ter conseguido uma promoção, por outro ela é obrigada a demitir toda a sua equipe para cortar custos. Isso representa também boa parte da vida das pessoas ao redor do mundo, que tiveram seus empregos cortados com a desculpa de que isso é o necessário para a saúde econômica. Uso o termo “desculpa” nesse caso, pois ao mesmo tempo em que a personagem é obrigada a demitir seus colegas, ela é promovida e vê toda a cúpula de chefes felizes com essas demissões. Já pelo lado de Chiwetel é diferente, ele tem que viver trabalhando como um motorista de van em uma espécie de transportadora beneficente e religiosa que ajuda pessoas a se reinserirem na sociedade. O problema é que ele não consegue realizar todas as entregas pelo fato de ter uma ficha criminal, por isso ele acaba se envolvendo em um plano com o seu chefe para mudar o nome do seu crachá e conseguir ganhar o seu dinheiro.

Todas essas relações entre o casal e suas relações individuais fazem do filme um retrato bem convincente do que estamos enfrentando hoje. As pessoas ao mesmo tempo em que enfrentam a pandemia, são obrigadas também a enfrentar uma crise econômica, uma crise social e uma crise mental. Todas esses elementos são ressaltados e representados durante o filme, essa talvez seja a sua beleza.

É um filme de poucos cenários, afinal, estão todos confinados. Por isso a maioria das cenas se dá ou em diálogos entre as personagens em espaços da casa, ou entre as personagens e amigos através de reuniões com aplicativos como o Zoom. Mesmo assim – acredito que pela identificação que criamos com a situação – não perdemos o foco durante nenhum momento do filme. Talvez até para criar essa identificação com os espectadores, muitos dos planos em que foram filmados reuniões do Zoom, vemos a conexão caindo, as imagens de péssima qualidade, as pessoas sendo interrompidas pela família. As pessoas arrumadas apenas da cintura para cima, enfim, todos os planos buscam uma maior fidelidade as situações em que estamos passando.

Como o cinema é uma forma de representação visual e ela se apresenta em muitos casos como uma leitura da sociedade no tempo em que o filme foi produzido, “Locked Down” se propõe a mergulhar em gêneros como a comédia, o romance e por fim, uma pequena ação para fazer nossos corações baterem um pouco mais rápido. É um dos primeiros filmes a usarem a pandemia como fundo e quase como uma personagem, e não decepciona.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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