Germaine Dulac: pioneira surrealista

Quando pensamos no cinema surrealista logo vem a nossa mente o icônico filme de Luis Buñuel e Salvador Dalí “Um Cão Andaluz”, a cena do corte do olho, misturada com o passar das nuvens é uma das mais importantes e lembradas de toda a história do cinema. É claro que não sem razão. O filme realmente fascina e teve uma importância enorme na história e na linguagem cinematográfica. No entanto, essa não foi a primeira experiência de cinema com esse tipo de obra, um ano antes do filme de Buñuel e Dalí uma mulher lançou uma obra surrealista e ela é Germaine Dulac. 

O filme em questão é “A Concha e o Clérigo”, lançado em 1928. O que vemos nele é uma série de imagens que parecem representar os diferentes estados de espírito, pensamentos e fluxos de imaginação. As imagens vão passando, fazendo ou não muito sentido, e nós vamos mergulhando naquela insanidade proposta e realizada por Dulac. Além de tudo o filme é corajoso. Esses devaneios todos são da cabeça de um padre que estaria apaixonado pela mulher de um general. 

Mas, se o filme é tão importante assim, qual o motivo de não ouvirmos falar tanto dele e sim de “O Cão Andaluz”? A resposta é simples: ele foi dirigido por uma mulher. 

Já conversamos aqui na coluna sobre Alice Guy Blache, Agnès Varda e outras diretoras de cinema que foram (e são até hoje) apagadas da história. Suas contribuições parecem simplesmente não existir, onde pesquisadores, professores e cinefilos preferem simplesmente ignorar essas contribuições em detrimento das realizadas por homens. Mesmo que só tenham feito depois. 

Inclusive, a obra de Germaine Dulac é feito a partir de uma obra de Antonin Artaud que lutou contra e ofendeu Dulac durante a produção. Segundo as pesquisas, chegando até a proferir xingamentos durante a exibição. 

A obra de Dulac é pioneira do movimento do cinema. A forma como ela consegue transmitir todas aquelas imagens e liga-las ao enredo dos pensamentos do padre é de uma primazia e que influenciou os artistas que fizeram filmes depois dela. 

Não só “A Concha e o Clérigo” mas toda a obra de Germaine Dulac e importante para a história da linguagem do cinema. É mais uma das cineastas que precisamos estar constantemente citando e reafirmando a sua relevância dentro de uma história construída apenas para referenciar os mesmos de sempre. O cinema foi feito por muito mais gente do que só os homens brancos que sempre ocupam os temas das aulas e escritos sobre o cinema, basta uma simples pesquisa para confirmar isso. Só não vê e não fala quem não quer. 

Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 25 de abril de 2022.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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