Titane: horror corporal de Julia Ducournau

Finalmente chegou aos olhos de todo o público brasileiro o grande vencedor da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, “Titane” de Júlia Ducournau. Seu filme anterior, “Raw”, já foi discutido aqui nesta coluna e naquele texto já indicamos o quanto estávamos ansiosos e empolgados por esta nova obra.

A história que vemos no filme é a de Alexia (Agathe Rousselle), que quando era criança sofreu um acidente de carro e teve que colocar uma placa de titânio em seu crânio. Esse acidente impacta a personalidade de Alexia, que parece ter tido desde pequena uma certa fascinação por carros. Depois de colocarem a placa, o que a cena do “reencontro” dela com a máquina que coisa tirou sua vida nos mostra é que ela parece adquirir um certo tipo de amor pela máquina, e que vai se desenvolvendo e ampliando durante o restante de sua vida. Tanto que depois da elipse, onde vemos Alexia mais velha, o seu trabalho é o de fazer performances com carros.

Depois de uma dessas performances, enquanto ela está indo embora, é seguida por um fã-assediador e depois que ele a importuna, Alexia o mata. Enquanto ela está tomando banho para se livrar das marcas do assassinato que cometeu ela se sente chamada por um carro, e aqui temos a tão comentada cena de sexo entre ela e o carro.

(Vale lembrar para quem acompanha o Festival Cinefantasy que vimos também uma cena de sexo entre uma pessoa e um carro no filme de Renata Pinheiro “Carro Rei” que esteve presente na décima segunda edição do festival).

O sexo e todas e todas as suas facetas são temas comuns na filmografia de Julia Ducournau. Basta lembrarmos de “Raw”, onde a diretora fez a metáfora das descobertas e do inicio das relações sexuais da jovem Justine (Garance Marillier, que também está em “Titane”). No seu novo filme a diretora explora também questões relacionadas à identidade de gênero. Após cometer diversos assassinatos nos primeiros e intensos 30 minutos do filme, Alexia foge e se torna Adrien e vemos tentando esconder toda e qualquer forma que mostre o seu corpo como feminino para as outras pessoas. Alexia/Adrien faz isso tanto para se esconder dos crimes que cometeu quanto para ficar próximo de uma pessoa que se sente segura/o de uma certa forma.

Essas questões todas são envolvidas dentro do horror corporal, tanto com Alexia/Adrian tentando esconder seu corpo, quanto os resultados da sua gravidez depois do sexo com o carro, que transformou o seu corpo em uma especie de maquina, jorrando óleo e fazendo sua barriga virar um compartimento de metal.

Essa pessoa é Vincent (Vincent Lindon) e sua presença é mais um indício da estranheza do filme. Não sabemos quais são suas reais intenções, se no início ele sabe que aquela pessoa não é o seu filho desaparecido, ou qual foi o motivo real dele não ter feito nada quando sabemos que ele realmente sabe quem é a pessoa que mora com ele. São os traumas? Há algo de mais obscuro? É só por se sentir bem na presença de alguém que diz ser seu filho? Não sei ao certo dizer.

Na verdade, não há muitas explicações sobre os eventos do filme. Não faz falta, tudo faz sentido dentro da história para quem assiste.

Mas, se há algo que eu posso dizer sobre “Titane” é que este é um filme que já está marcado dentro da história do cinema e que, assim como “Raw”, me deixa mais ansioso para novas obras desta cineasta magnífica que é a Julia Ducournau.

Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 28 de janeiro de 2022.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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