Não olhe para cima

Relutei um tanto antes de escrever esse texto, mas dado as inúmeras discussões que eu tenho visto por ai, principalmente nas redes sociais, decide então dar a minha opinião sobre o filme “Não olhe para cima” de Adam Mckay. No entanto, esse texto não tem como objetivo ser a reflexão correta sobre o tema, muito menos ser uma interpretação absoluta do filme. Ao contrário, pretendo apenas contribuir com algo que eu considero tão bom mas pouco feito na crítica brasileira nos dias de hoje, o debate de ideias.

Precisamos aqui deixar uma coisa bem clara: não há sutilizas no filme. Tudo está claro. “Não olhe para cima” é um filme sobre o fim do mundo e de como agimos em frente a uma situação catastrófica. Sim, ele está falando da pandemia do coronavirus. Ele está falando das diversas autoridades que não ligam para as vozes de cientistas. Ela está falando de homens que ficam com o crédito de ideias de mulheres. Está falando sobre celebridades que não se posicionam mesmo que isso signifique defender vida ou morte. Não existe nenhuma sutileza nesse filme.

Friso a falta de sutileza pois este é, para mim, o motivo de “Não olhe para cima” ser tão bom quanto ele é. É a simplicidade de dizer que: se um cometa estivesse vindo em nossa direção nós todos morreríamos por que tem gente hoje em dia que acredita que a terra plana. Muitas pessoas estão morrendo hoje pois tem gente que acredita que o covid não existe ou que as vacinas não funcionam. É a simplicidade do filme de dizer isso que faz ele ser tão bom. Lembro de uma frase – de um autor que me fugiu da cabeça – que dizia mais ou menos assim: há momentos em que precisamos dizer o obvio. A terra não é plana, vacinas funcionam, a gravidade existe.

“Não olhe para cima” conta a história da descoberta de um cometa que está prestes a atingir a terra. A responsável por essa descoberta foi Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence). Após mostrar para o seu professor orientador Randall Mindy (Leonardo DiCaprio) eles decidem levar essa questão para a presidente negacionista dos Estados Unidos, Janie Orlean (Meryl Streep) e seu assessor/filho Jason Orlean (Jonah Hill). Vemos ela fazer com a informação sobre a colisão do cometa com a terra o que muitas autoridades fizeram em relação a pandemia do coronavirus, ignorar ou menosprezar a sua voracidade. Só ligando e pensando em fazer algo a respeito quando isso iria beneficiar sua campanha politicamente.

Quando enfim eles decidem, em tempo hábil, tentar impedir essa colisão vemos uma outra faceta do problema, que é o fato de a missão ser interrompida por um grande empresário que queria explorar os minerais do cometa. O lucro vem acima da vida e da sobrevivência do planeta. Qualquer que seja a chance de lucrar ela é a prioridade.

Uma outra coisa que eu particularmente não consegui ver como positivo e nem como uma redenção é a trajetória do personagem de DiCaprio. Ele não descobriu o cometa e praticamente levou o crédito por essa descoberta. Mesmo parecendo se incomodar com isso em nenhum momento fez menção de mudar essa situação, muito pelo contrário, usou e abusou de todo o crédito que lhe foi atribuído sem merecimento. E quando a personagem de Jennifer Lawrence fazia algo que colocava ela no centro das discussões logo era tida como uma pessoa louca ou uma mulher histérica que precisa aprender a falar em publico. Mesmo que no final DiCaprio tenha uma “redenção” não me pareceu a altura de tudo que ele fez durante todo o filme.

(Uma curiosidade é que Jennifer Lawrence ganhou cerca de 5 milhões de dólares a menos que o Leonardo DiCaprio neste filme)

O final foi o mais simples – de novo, a simplicidade que dá o tom do filme – e mais coerente possivel dentro daquele – e do nosso – universo. O resultado da ganancia, de não escutar os cientistas, de colocar o lucro acima de tudo e de toda a vida a vida só pode ser um só: a destruição total do planeta e os ricos fazendo de tudo para sobreviver.

2021 teve bons filmes, mas coloco “Não olhe para cima” na minha lista de preteridos do ano. Não só por ele dialogar muito bem com o tempo e a sociedade que estamos vivendo – lembrem-se, amigos, analisar um filme é sempre situa-lo em um contexto histórico -, mas por ele usar a simplicidade a seu favor. Não há uma necessidade de dar voltas, o que é certo é certo e o que é errado é errado. Não existe pós-verdade e nem nada disso. Escutem os cientistas e tomem vacinas, pois a terra é redonda e a gravidade existe.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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