O cinema de Agnès Varda

Passei as últimas semanas assistindo e escrevendo nesta coluna apenas sobre filmes nacionais. Foi um desafio/brincadeira que me propus no final do ano passado e fico feliz por ter conseguido passar por ele sem nenhuma dificuldade. Agora, começando 2022, quero me propor um novo desafio: passar algumas semanas escrevendo nessa coluna apenas sobre filmes dirigidos por mulheres.

É sempre bom lembrar o quanto é necessário relembrarmos as obras de cineastas que foram sumariamente apagadas da história do cinema. Aqui mesmo na coluna separei um momento para falar sobre Alice Guy Blache, uma das pioneiras do cinema e muitas vezes nem citada é por seu papel e filmes. Inclusive é muito comum vermos em cursos e livros sobre a história do cinema as pessoas fazerem o caminho de Irmãos Lumiére, George Méliès e D.W Griffith, como se na história do cinema só os homens tivessem importância.

Explico o motivo de começar esse pequeno desafio com Agnès Varda, não há um único filme que eu tenha assistido dela e que eu não tenha gostado. Não sei vocês, mas se tem uma cineasta que eu posso dizer com todas as letras que não fez um único filme ruim essa pessoa é Agnès Varda. E não é só pelos temas do seu filme, mas por toda a sua convicção de cinema, seu uso das técnicas e tudo que a gente já conhece de cinema, Varda faz com maestria que poucos – ou nenhum – conseguiu fazer.

Revi na semana passada o seu “Visages, Villages”, de 2017, onde Agnès Varda e JR viajam e tiram fotos de pessoas e fazem exposições. O filme todo é muito lindo, mas acaba com aquela sensação de dor quando ela tenta encontrar Jean Luc Godard e ele não só não aparece como deixa uma mensagem que acaba magoando Varda. Acabamos vendo Varda triste com isso e feliz por JR tirar os óculos. Mesmo que ela não consiga enxergar muito bem, o que vale é o sentimento e aquele gesto. É o que vale em todo “Visages, Villages”, o gesto de colocar nas paredes e muros a foto de pessoas que foram importantes na jornada dos dois. Mesmo que essas fotos sejam apagadas depois.

Recentemente também revi o seu maravilhoso “Saudações, Cubanos!” um documentário composto por fotografias de Agnès Varda durante sua passagem por Cuba. Revi também o seu “Catadores e Eu” e é surpreendente o quanto Varda consegue nos emocionar com coisas como batatas em formato de coração. E claro, não posso esquecer de “Cléo das 5 às 7” onde acompanhamos duas horas da vida de uma mulher que está prestes a saber o resultado do seu exame.

É impossível também não falar sobre Agnès Varda quando o assunto é filme-ensaio. “Resposta das Mulheres” é um pequeno curta com uma mensagem e poder tão grande que para mim é uma referência enorme para mim sobre o que é e como se faz um filme-ensaio.

Não importa o momento e nem se você já conhece os filmes, sempre é bom parar um pouco e assistir algum filme da Agnes Varda. Nunca o filme diminui, ele sempre está em constante crescimento. Os filmes dela sempre se ligam com o espectador, não importa em que momento da vida estejamos, Varda sempre estará dialogando conosco. Sempre é bom ver e rever suas histórias.

Vale lembrar que boa parte da obra de Agnès Varda está disponível nas mais diferentes plataformas de streaming, dentro da MUBI Brasil , por exemplo, tem uma variedade de filmes dela, entre eles alguns dos citados aqui.

Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 10 de Janeiros de 2022.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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