Um jantar de classe: O Clube dos Canibais de Guto Parente

Em 1917 o pensador italiano Antônio Gramsci escreveu que odiava os indiferentes e que a vida era tomar partido. Li isso pela primeira vez no início da minha graduação, lá em 2012 ou 2013, não me lembro muito bem. Estava pensando em como começar o ano desta coluna, o ato de escolher é um ato político. O cinema não é diferente. Escolher entre ver um filme ou outro é um ato político. Terminei o ano passado escolhendo só falar sobre filmes nacionais. Decidi então escolher começar o ano com um filme nacional e que exala política por todos os lados possíveis, “O Clube dos Canibais” de Guto Parente.

No filme vemos Gilda (Ana Luiza Rios) e Otávio (Tavinho Teixeira) um casal rico e que tem a prática de comer os seus funcionários e outras pessoas da classe pobre no Clube dos Canibais. Este clube é formado basicamente por toda a elite brasileira, desde políticos que dominam as casas de poder até os grandes empresários. E quando Gilda descobre o segredo de um desses políticos é que a situação do casal canibal fica complicada. Começamos a ver ódio, luta de classes, conspiração e muito sangue.

É interessante que tudo no filme esteja relacionado com o sexo. Uma das práticas de Gilda e Otávio é de seduzir um empregado, a mulher fazer sexo com ele e na hora da excitação total Otávio chega e o mata. Deixando tudo coberto de sangue para depois consumirem a carne daquele trabalhador. O segredo que Gilda descobre também é de natureza sexual. Também envolvendo uma pessoa de classe alta e outra de classe baixa.

Em todos os casos só há um destino: a morte das pessoas mais pobres. A própria história se remete a essa dominação de uma classe sobre a outra. O Clube dos Canibais se reúne para comer pessoas pobres, mas não só, eles se reúnem para assistir elas lutando pela vida e depois sendo mortas sem nenhum pudor. Como se estivessem em um lugar observando animais e escolhendo qual deles teria a carne mais suculenta. Pobre para as pessoas que fazem parte do clube só serve para duas coisas: sexo ou morrer na sua frente para depois terem suas carnes devoradas.

Comecei citando um marxista italiano e vou terminar o texto citando o próprio Karl Marx e o Friedrich Engels, eles disseram que toda a história até os dias de hoje é baseada na luta de classes. “O Clube dos Canibais” coloca essa teoria na tela com muito sangue. É uma leitura da sociedade com base na luta de classes transposta para o cinema. Sem dúvida este é um dos meus filmes favoritos e uma das melhores obras feitas no cinema brasileiro nos últimos anos.

Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 03 de Janeiro de 2022.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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