Annette

O estranho me fascina. Em contrapartida, o filme musical nunca me encantou. Há, é claro, as exceções e de cabeça quando penso nos que gostei me vem logo o clássico “Cantando Na Chuva” de Gene Kelly e Stanley Donen e o recente “Lala Land” de Damien Chazelle. “Annette” de Leos Carax é um musical que me chamou a atenção primeiro pela estranheza do que eu observava nos materiais de divulgação, com um pôster dos dois protagonistas dançando em meio a uma onde e, principalmente, a criança/marionete.

Em linhas gerais o filme mostra a história de amor entre duas pessoas. Henry (Adam Driver) e Ann (Marion Cotillard), o primeiro é um comediante stand up e a segunda é uma cantora de ópera. Ambos estão em um processo de subida na carreira, com shows de todos os lados e com toda a imprensa cobrindo cada passo que o casal dá. Mas, não é só na carreira que os dois estão com “sorte”, no amor também. O relacionamento dos dois parece andar nas nuvens e a felicidade é uma presença constante. Eles se casam e geram uma filha, Annette (Devyn Mcdowell) e a partir dai tudo começa a desandar, ao que parece, devido ao cansaço físico e mental dos pais.

O relacionamento parece, a principio, ser algo saudável, mas se observarmos alguns sinais veremos que não é bem assim. O show de Henry nos avisa do que veremos mais adiante no filme. Além disso, vemos também a forma que ele enxerga a si mesmo, sua parceira e o relacionamento entre os dois. Henry diz que ele está ali para matar, enquanto o trabalho de Ann é morrer. Um todo dia mata e a outra todo dia morre. Não só isso, ele parece não respeitar ou pelo menos considerar o seu trabalho mais superior que o dela. Diz que é muito simples o que ela faz e que poderia fazer isso aquilo tranquilamente.

É um relacionamento em que não há um respeito mutuo e, por conta disso, o resultado não poderia ser algo positivo. Mesmo que eles tenham uma filha. Aliás, a filha representa o fantástico do musical. Ela é primeiro uma espécie de marionete, algo que particularmente, me deixou um pouco fascinado. A forma como ela se mexia de uma lado para outro, a forma como a cabeça e todos os membros pareciam que a qualquer momento poderia cair, tudo isso travou minha atenção de uma maneira quase inexplicável.

Depois da morte de Ann vemos que Annette acaba assumindo uma nova função, ela não é mais só uma criança/marionete, agora ela é também uma boneca de ventríloqua. Ela agora canta como a sua mãe, ela agora tem uma voz que, assim como a de Ann, deixa todos os que estão ouvindo fascinados e ouriçados. E é claro que esse talento de Annette foi utilizado por Henry, que começou a agenciar ela e agendar shows, até onde ela não aguentasse mais. Só que Henry não queria ser o pai da criança, apenas colher os frutos. Quando ele percebe que alguém está assumindo esse papel ele logo dá um jeito de tira-lo do caminho.

E o final é, assim como o início, metalinguístico. Quando “Annette” se inicia vemos o seu diretor, Leos Carax, dando inicio a fábula musical que iremos ver. E no final, depois do confronto de filha e pai e vermos Annette deixando de ser uma boneca e sendo uma criança de verdade, ouvimos o questionamento de Henry de o que estamos olhando. Começa e termina com elementos da metalinguagem e da compreensão de que está está sendo observados.

E tudo isso em forma de musical. É maravilhoso.

O filme está disponível na plataforma de streaming Mubi.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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