Má sorte ou Pornô Acidental

Começamos os nossos trabalhos com a cobertura da 45º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O filme que abre os trabalhos aqui é o “Má Sorte ou Pornô Acidental” exibido para a crítica após a coletiva de imprensa transmitida pelo YouTube da Mostra. O filme é dirigido por Radu Jude e foi vencedor do Urso de Ouro em Berlim.

A história que vemos é a de Emi (Katia Pascariu), uma professora que teve um vídeo intimo vazado e tem que enfrentar o julgamento das pessoas a sua volta e as consequências disso no seu trabalho. A cena final é basicamente um julgamento de pais e mestres para decidir se ela vai ou não continuar como professora da escola.

O filme começa com fato principal e fio condutor da história: o filme de Emi e seu marido. Vemos tudo, explicitamente, toda a relação sexual entre ela e seu marido e que posteriormente será julgado por toda a sociedade. Radu nos coloca na situação das personagens da história, a perspectiva de quem não conhece a personagem ainda, mas sim sua intimidade. Não conhecemos seus anseios, sua vida, seu emprego. Nem sabemos que é professora, vemos apenas a relação sexual entre duas pessoas. É interessante sermos colocados nessa posição, vemos caindo todo aquele “pré conceito” criado pelas imagens iniciais e depois, com o decorrer do filme, vamos conhecendo quem é a pessoa de Emi.

É um exercício interessante assistir a esse filme no Brasil 2021. É um drama romeno, mas que não mostra uma sociedade diferente da que vemos no Brasil. Primeiro que estamos assistindo um filme que está se passando no momento em que estamos vivendo – o da pandemia – e temos todas as problemáticas que estamos vivendo atualmente aqui no Brasil. Pessoas que andam na rua sem mascara, que utilizam a mascara de forma inadequada – deixando o nariz de fora -, fazendo falas contra a letalidade da pandemia, dizendo ser contra a ditadura sanitária, basicamente todas as coisas que vemos aqui no Brasil. Talvez a maior diferença entre o que vemos no filme e na sociedade romena exposta por Radu Jude e o Brasil 2021 é que lá não há um chefe de nação defendendo tratamento precoce e fazendo coro com os negacionista (não tenho conhecimento de como é a questão politica romena, mas no filme não há isso).

Um pano de fundo bem frequente em todo o filme são as discussões que parecem evocar a relação de luta de classes na Romênia. Muitas falas sobre como a classe rica explora e subjuga a classe mais pobre. Quando não é falas de um fato que ocorreu, vemos literalmente pessoas com um maior poder aquisitivo na tentativa de humilhar e ofender as pessoas que são economicamente inferior a elas.

Se até a cena final, tenha alguém que não ficou com uma afeição pela personagem Emi, com certeza assistindo ao julgamento em que ela enfrenta toda a hipocrisia, machismo e conservadorismo da sociedade, ficará comovido por ela. Não só, respeitará ainda mais a pessoa que ela é.

Rodu Jude não poderia ter terminado melhor o seu filme, dando uma espécie de escolha de final para aquela história, o espectador pode escolher como o filme termina, como que atendendo todos os gostos de quem assiste ao filme e tenha uma posição sobre o tema. Para mim, o ultimo foi o melhor, mas não direi aqui para não estragar a experiência. Por fim, assistam, no mínimo é uma experiência divertida, erótica e combativa de se abordar o tema.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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