Questão de autoria: o nome dela é Nia DaCosta!

A questão da autoria no cinema sempre foi e ainda é discutida por muitos críticos e estudiosos. Recentemente tivemos a volta da discussão sobre o assunto com o filme “Mank” dirigido por David Fincher, onde ele fala sobre a importância de Herman J. Mankiewicz na construção de “Cidadão Kane”, dirigido por Orson Welles e que recebeu e ainda recebe todos os méritos de autoria. Foi o artigo de Pauline Kael no New Yorker em 1971 e que ecoa até os dias de hoje que questiona de forma contundente essa autoralidade totalmente atribuída ao Welles e ignorando a participação de Mankiewicz.

A política dos autores foi uma das discussões mais interessantes e importantes da crítica de cinema, inclusive indico o livro do Jean Claude Bernardet com colaboração do Francis Vogner dos Reis, onde há uma elucidação do tema e da teoria, além de colocar a questão no território brasileiro, inclusive com um ótimo artigo do Francis sobre a autoralidade de José Mojica Marins.

Essa introdução foi para trazer a questão “Candyman” e Nia DaCosta para o assunto. Muitas propagandas, muitos cartazes estão estampando o nome Jordan Peele como criador e autor do filme. Ele assina a produção e colaboração no roteiro. Enquanto por vezes o nome Nia DaCosta, diretora do filme, nem é citada. O que isso nos diz? Sinceramente, para mim, é uma forma de apagar a contribuição da mulher negra no cinema. Não que isso esteja sendo feito por Jordan Peele, é claro, já que ele está na luta de resgatar a memória e a contribuição das pessoas que foram esquecidas e apagadas da história do cinema, além de pôr em evidência as novas vozes que estão surgindo.

Ainda assim parece haver essa decisão horrível, que parece ser de marketing, de utilizar o nome do Jordan Peele como chamariz do filme. Chegando ao ponto de aparecer até um letreiro atribuindo o filme a ele e não a Nia da Costa, quem é de fato a diretora do filme.

“A Lenda de Candyman” mostra a que veio desde o seu início, discute e demonstra o quanto a figura de Candyman é importante e principalmente o que ela representa dentro da história dos Estados Unidos. Inclusive, Candyman é a representação de todas as pessoas negras que foram brutalmente assassinadas por brancos durante toda a história daquele país – e poderia também ser uma representação do que acontece no nosso, não?

Os flashbacks em formato de animação são acertos da visão da Nia DaCosta, todos causam um certo desconforto e impacto extraordinários, talvez de forma até mais significativa do que seria se fosse encenado por atores. E por falar em impacto, o final é o que mais dialoga com os fatos recentes envolvendo a violência policial que o país vem atravessando. E ele ainda vem com um gostinho de nostalgia para os fãs do filme original.

“A Lenda de Candyman” é uma obra da Nia DaCosta, foi dirigido por ela e é a ela quem tem que ser atribuída a autoria do filme. O que vimos nesse filme é consequência da visão da diretora sobre a lenda de Candyman, e o nome dela tem que ser lembrado por isso, ela se chama Nia DaCosta.

Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy no dia 20 de setembro de 2021.

Euller Felix

Cientista Social, pesquisador e crítico de cinema. Um dos Organizadores dos livros "O Melhor do Terror dos anos 80" e "O Melhor do Terror dos anos 90", ambos publicados pela editora Skript.

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