O tema da coluna de hoje é sobre o filme “M8 – Quando a Morte Socorre a Vida”, de Jeferson De e que entrou recentemente no streaming. Assisti no final de semana e precisava dialogar sobre ele.
Em 1997 o grupo Racionais MC’s lançou o álbum “Sobrevivendo no Inferno” e a quarta música do álbum é “Capítulo 4, Versículo 3” que começa assim:
“60% dos jovens de periferia
Sem antecedentes criminais já sofreram violência policial
A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras
Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros
A cada quatro horas, um jovem negro morre violentamente em São Paulo
Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”
Precisei citar a introdução da música por ela representar quase que literalmente todos os acontecimentos do filme de Jeferson, não necessariamente na ordem, mas está tudo lá. Vamos começar pelo tema do filme e que dialoga com o verso “Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros”. Maurício é a única pessoa negra na sua turma de medicina, e seria o único negro na sala se não fossem os cadáveres utilizados na aula de anatomia. Quando Maurício percebe que tem mais em comum com aqueles cadáveres do que com os seus colegas de classe, entra em uma jornada para tentar descobrir quem são aquelas pessoas que estão na mesa e até suas identidades lhes são negadas quando substituídas por números.
Toda essa busca se acentua principalmente quando o corpo chamado de “M8” começa a aparecer para Maurício e faz ele questionar se o aparecimento daqueles corpos não tem ligação com o sumiço de pessoas negras que está gerando protestos na cidade.
Antes da resolução da história com M8 – que não poderia ter sido melhor pelo seu significado – Maurício entra cada vez mais dentro do mundo dos colegas do seu grupo da classe e isso nos mostra as diversas vezes que o racismo se manifesta nas atitudes das pessoas. Esses atos vão desde comentários extremamente racistas de uma pessoa da sua turma e da mãe da sua amiga da sala, como também com olhares e gestos de pessoas na rua. Em determinado momento o refrão “60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial” é exemplificado na tela quando Maurício sofre uma violência por simplesmente estar andando em um bairro de classe alta, onde dizem que aquele não é o lugar dele.
Todo o filme de Jeferson De é necessário. Tudo ali é importante ser dito. Principalmente o final do filme que é basicamente a última parte da citação da música do Racionais que comecei citando aqui “Aqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente”. Mesmo contra tudo e todos, Maurício sobrevive e vence com um ato simbólico.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 01 de Março de 2021.