Um dos melhores críticos de cinema que eu já li é o Inácio Araújo. É um daqueles críticos que eu fico ansioso por cada novo texto e quando tô lendo artigos antigos fico cheio de ideias sobre cinema que vem sendo feito na atualidade.
Essa entrevista foi uma honra e uma aula para mim, pela admiração que tenho pelo trabalho do Inácio. Acredito que para vocês, leitores, também vai ser. As respostas dele passam por subjetividade, papel da crítica, curadoria… Muitas coisas para se refletir.
Você consegue encontrar o trabalho do Inácio em artigos da Folha de São Paulo e também no blog dele. Além de um livro que reúne diversos textos dele.
O Inácio Araújo também ministra um excelente curso e você pode encontrar informações sobre ele aqui.
ENTREVISTA
Euller Felix: Lembro de uma entrevista sua em que você dizendo que o papel da crítica não é dizer se um filme é bom ou ruim, mas sim ser uma tentativa de compreender o mundo. Você pode falar um pouco mais sobre isso?
Inácio Araújo: Eu francamente não me lembro do que quis dizer nessa entrevista, nem o seu contexto. Mas acho que posso atualizá-lo, de todo modo. O cinema é uma arte, mas também um comércio e uma indústria. A quem os críticos devem representar? Me parece que à arte. Assim, fico um pouco revoltado quando vejo à importância que o jornalismo de arte dá a coisas como o box-office. Dizer que um filme rendeu tanto em tal lugar importa a quem? À indústria, sem dúvida. Aos donos de cinema. Mas não ao espectador. Isso é um desvio de função que se tem generalizado e com o qual não concordo, embora hoje seja uma norma. A função do crítico não se limita ao filme em questão. Existe um mundo em volta de nós, ao qual o filme se dirige, um mundo que o filme procura explicar e explorar. O crítico não tem função muito diferente. Ele faz isso a partir do filme. O que dá relevância a um filme? Será o seu assunto? O seu ator? O seu roteiro? Tudo isso conta,claro, mas é sobretudo a partir de imagens que o cinema interpreta o mundo. É a essas imagens que devemos dedicar a maior atenção, mesmo com as limitações dos meios de comunicação (espaço, tempo etc.), me parece. Ao menos é o que eu tento fazer.
Euller Felix: A crítica de cinema perdeu um pouco de espaço nos meios jornalísticos tradicionais, no entanto, ela vem crescendo na internet. Inclusive, muitos críticos importantes estão utilizando mais blogs e sites para publicar seus textos. Como você enxerga essa mudança?
Inácio Araújo: A ideia de crítica perdeu espaço a partir do surgimento do blockbuster, com ‘guerra nas Estrelas”. Desde então buscou-se substituir a crítica pela publicidade massiva. Tivemos ainda boas gerações de críticos. Destaco primeiro a geração da “Contracampo”, mais tarde a da “Cinética”. Mas é sintomática a diferença entre as duas:a segunda já traz muito forte a marca da universidade, anunciando a passagem de toda reflexão crítica do jornal para a academia. Não é muito bom, porque cada qual tem sua função. Ao mesmo tempo é uma fatalidade. Quem se interessar por cinema deve procurar um emprego universitário, pois os jornais já não contratam mais críticos. E a crítica é uma forma de diálogo entre pessoas que falam a mesma língua, é ruim para o cinema não existir uma referência que o cineasta considere confiável, seja para achar bom ou achar ruim um filme. Porque a crítica é o quê, senão algo que parte da tentativa de entender um filme. Por isso eu digo que não se trata de julgar (pois aí o aspecto subjetivo acaba muito favorecido), mas de encaixar o seu juízo no entendimento que temos do filme. Nisso, podemos errar feio. Exemplo: quando vi “Silêncio”, do Scorsese, detestei o filme, porque achei um absurdo a invasão dos católicos ao japão e a maneira como o filme parece defender a cristandade e chamar os japoneses de bárbaros. Agora, apenas, revendo o filme, longe dessas questões, mas com olho apenas no filme, percebo que eu estava muito errado, pois se olharmos os filmes católicos do Scorsese a gente nota que a fé é vivida sempre como tormento e martírio. E é disso que se trata ali. Ou seja, erramos O que significa que nosso julgamento inevitavelmente passa pela subjetividade e, nesse sentido, é preciso sempre relativizar nossa opinião sobre os filmes. Recentemente vejo que no Brasil alguns filmes (penso em “Os Parças”, por exemplo) são desprezados por “populares”, “populistas”, qualquer coisa assim. E no entanto você vai ao cinema e há um público imenso que o aprecia. Pessoas que têm outra experiência que não a dos críticos, mas se a gente olhar bem verá que eles têm razão e que o filme (eu digo o primeiro, o segundo não vale nada) tem achados preciosos. Por isso precisamos sempre rever as coisas.Bem, chego enfim ao que você perguntou: será que o youtube ou a internet substituem a crítica de jornal? Podem substituir, claro, mas o que tenho visto, sempre por acaso, nada que eu procure, raramente me anima, raramente traz uma reflexão sobre o filme.Mas não vi tudo e não quero opinar sobre o que não conheço. Tenho mais certeza de outra coisa: a melhor maneira de exercer a atividade crítica, hoje, talvez seja a curadoria, ou seja, a tarefa de ordenar blocos, categorias, juntar coisas, separar outras e exibi-las. Ou então, usar o canal para gritar contra o que se tem feito contra a Cinemateca, por exemplo. Gritar e gritar muito, porque é um crime. Eu, pessoalmente, me empenho muito nas aulas de história do cinema, porque já sou mais velho, conheço mais coisas que boa parte dos jovens, então fazer a conexão entre a tradição e o presente, notar como chegamos aonde chegamos também me parece algo importante. Essas coisas dizem todas respeito ao crítico. As estreias da semana são válidas também, mas não devem ser uma obsessão. Rever filmes é mais importante às vezes do que ver (como disse o Júlio Bressane)
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