Um jantar de gala em uma mansão há algo impedindo que os convidados e os anfitriões saiam de um cômodo da casa. O que é? Não sabemos. O motivo? Não é possível imaginar. Essa obra que faz com que tenhamos tantos questionamentos é “O Anjo Exterminador” do cineasta espanhol Luis Buñuel.
Algo que sempre defendo em relação ao cinema em geral, mas faço isso com mais veemência no cinema fantástico, é o de que não há necessidade de explicações para o que estamos vendo. As ações, motivações, cenários, ou o que quer que seja, só precisa fazer sentido dentro daquele mundo que a história se passa e respeitar as regras criadas desde o início do filme. Ao que parece, “O Anjo Exterminador” leva isso às últimas consequências, nada é realmente explicado, da mesma forma que começa o aprisionamento daquelas pessoas é como acaba. Sem explicações possíveis. A única regra que existe dentro de todo o filme é de que: existe algo que impede que as pessoas saiam ou entrem na casa. Não é físico, não há barreiras visíveis, simplesmente as pessoas não conseguem passar.
Também não vemos explicações dos acontecimentos anteriores. A primeira cena do filme é a de um empregado da casa querendo sair às pressas daquele local. O motivo? Também não sabemos, ele só quer sair. Quando adentramos na mansão, em um momento os outros empregados estão conversando, no seguinte estão pegando suas coisas e indo embora, do mesmo modo, sem motivo, eles só querem sair dali. É quase como se pressentisse e algum tipo de instinto de sobrevivência os colocasse para correr daquele local que emana perigo.
Todos os funcionários, com exceção de um, vão embora. Quem fica são os convidados, em sua maior parte, membros de uma classe alta. Após degustarem de comida e bebida, começam a sentir os efeitos desse “algo” que paira sobre eles e ficam para dormir, no sofá, no chão, ou qualquer lugar. Chega a ser cômico que ouvimos tanto sobre etiqueta durante o filme, mas neste momento não há nenhuma regra, há apenas o sono e a vontade de ficar ali onde estão.
Depois que eles acordam observamos diversos estágios da insanidade tomando conta dos presentes. Eles começam a perceber o que está acontecendo, ninguém consegue sair da sala, incredulidade do que está acontecendo e claro, o desespero. A partir daí todos esquecem qualquer regra de convívio social e etiqueta e dão espaço para a insanidade em forma de agonia.
A burguesia fede, todos ali fedem. Há cadáveres se decompondo, há uma enorme falta de higiene por parte dos presentes, nada está limpo. O que resta é o fedor animalesco do animal humano em seu estado mais primitivo. Não há dinheiro, não há status social, não há nada da sociedade ali. Há apenas seres vivos presos em um cômodo sem perspectiva de sobrevivência e sem saberem os motivos de sua prisão.
Assim como o filme começa ele termina, os prisioneiros são libertados. O motivo? Não sabemos. Eles tiveram algo com isso? Também não sabemos. Agora os funcionários da mansão estão chegando e tentando entender o que está acontecendo, não há mais perigo que os afugenta, na verdade, para os trabalhadores nunca houve nenhum perigo.
Estamos tão presos naquela narrativa quanto aqueles personagens estão naquela sala. Queremos saber a conclusão daquela história, que não é bem uma conclusão, não dá nenhuma explicação e você só sabe que o filme acabou por causa da palavra “fim” que aparece depois de uma cena que parece representar o início de todo aquele caos que vimos na sala de jantar, mas agora em um ambiente que gera uma enorme curiosidade por parte de quem está assistindo de saber o que poderia acontecer ali, com aquelas pessoas e naquele lugar.
“O Anjo Exterminador” é um daqueles filmes que são verdadeiras fábulas sociais, que falam sobre o cinema e também dizem muito sobre a sociedade e sobre a história da humanidade.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 05 de Abril de 2021.