Pensar no cinema de horror contemporâneo feito fora do Brasil é pensar em filmes como O Babadook (Jennifer Kent, 2014), A Bruxa (Robert Eggers, 2015), Corra! (Jordan Peele, 2017) e Hereditário (Ari Aster, 2018). Claro que há outros que também são interessantes, mas estes acabam sempre estando nas referências.
Estes diretores também fizeram outros filmes, Jordan Peele fez Nós (2019) e Nope (2022), Jennifer Kent fez Nightingale (2019), Robert Eggers fez O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022). E Ari Aster fez Midsommar (2018) e agora chega com Beau Tem Medo (2023). De todos, talvez Jordan Peele seja o único que mantenha uma certa consistência na qualidade, mas o outros não ficam atrás. Robert Eggers teve mais um grande filme (Farol) e um razoável (O Homem do Norte). Jennifer Kent, infelizmente, não anda produzindo tanto quanto os outros, uma pena, mas que me parece dizer mais sobre a dificuldade de mulheres engatarem suas ideias no cinema – sendo uma questão mais estrtural da indústria – do que da qualidade que obviamente ela tem.
Já Ari Aster, nos seus dois filmes seguintes a sua obra prima, parece que ainda não conseguiu provar que é um dos nomes mais importantes do cinema dos últimos anos. Isto para alguns, para mim ele provou em Midsommar e confirmou em Beau Tem Medo.
O cinema feito e proposto por Ari Aster é o cinema de traumas. Hereditário e Midsommar lidam com essa questão, mas não de forma direta. Ela está ali, influência todas as personagens, só que não é o foco da história. Em Beau Tem Medo não, o trauma é tudo, inclusive o que move toda a história.
Uma das primeiras cenas é Beau (Joaquim Phoenix) em um consultório psiquiatra, falando sobre suas angústias e ansiedades. Logo depois de ele pegar a receita do remédio ele vai para a rua e lá vemos os traumas de Beau metamorfoseados na realidade através das paranoias e perigos que o personagem passa. Em uma simples caminhada somos jogados em uma situação de ansiedade extrema em que tudo parece perigoso.
E é interessante notar que não é só “o que parece ser”, mas sim “o que é”. As pessoas deste mundo que estamos vendo também são perigosas. Uma pessoa está em cima de um prédio e em baixo tem uma multidão filmando e incentivando está pessoa a pular e morrer. Como alguém conseguiria viver neste mundo sem ficar louco?
Citei duas vezes “este mundo” e é isso mesmo. É semelhante ao que vivemos, só que o filme não parece se passar no “nosso mundo”. Mas não podemos deixar de notar que as semelhanças também diz muito sobre quem somos e como vivemos. Beau tem sua ansiedade aumentada com a sua dose televisiva, com programas que parecem muito com os canais sensacionalistas que temos por aqui. Isso aumenta a ansiedade de qualquer um, afinal, tudo que está fora das paredes da nossa casa parece assustador e nocivo a nossa vida.
De início fiquei com dúvida se tudo aquilo que estava vendo não era um delírio da cabeça de Beau, só que nada no filme parece comprovar está teoria. Ao contrário, tudo me parece comprovar que aquilo tudo é o “mundo real” em que Beau vive. Percebemos também que estes traumas do personagem tem inicio na sua criação e no seu relacionamento com sua mãe e familiares. Desde como ele é tratado pela sua família, até suas duvidas em relação ao seu pai e um “sótão” que parece ter respostas para algumas de suas duvidas.
Ari Aster brinca com a ansiedade em seu novo filme. Ele parte desde uma situação corriqueira e vai até a uma situação extrema. Não há escapatória, para qualquer lugar que você olhe tem um motivo para ficar ansioso e nervoso. Beau responde a tudo isso. Quase que instintivamente, e é o seu instinto de sobrevivência que o mantém vivo na maioria das situações.
O final é fantástico, não o adjetivo mas no gênero, e nos mostra um pouco mais daquele mundo, ou da cabeça do personagem principal. Um espécie de julgamento sobre toda a vida sofrida daquela pessoa que acompanhamos. As suas atitudes são culpas dele ou da sua vivência? Saímos com duvidas.
Beau Tem Medo é um devaneio de loucuras, de pensamentos soltos e uma incursão pelos traumas pessoais e que são constantemente aumentados pela nossa vivencia em sociedade. Não é o filme que vai fazer Ari Aster “se provar” para aqueles que ainda questionam a qualidade do seu trabalho, mas é um filme angustiante e me parece mais pessoal do diretor. Reclamem, odeiem, mas é inegável que o que estamos vendo é uma obra de um verdadeiro autor do cinema contemporâneo, e só por isto é melhor do que muito coisa que vem saindo e ganhando aprovação geral.