Em 1979 foi aprovada a Lei de Anistia aqui no Brasil. Essa lei anistiou todos os crimes cometidos durante o período da ditadura. Um grande problema dessa lei é que ela também anistiou os crimes cometidos pelos militares. Foi colocado no mesmo patamar a reação dos oprimidos e a violência do opressor.
Isso é algo que não aconteceu nos outros países latinos que sofreram com ditaduras militar, e o novo filme de Santiago Mitre mostra como um país que decidiu lutar para punir os responsáveis pelas inúmeras atrocidades que foram cometidas durante o período mais sombrio de qualquer democracia.
No filme vemos a luta do promotor Julio Strassera (Ricardo Darin) e Luis Moreno Ocampo (Juan Pedro Lanzani) que foram os responsáveis por juntar provas e processar os militares que estavam no comando durante o período ditatorial da Argentina.
Em linhas gerais: é um filme de tribunal e sobre personagens importantes daquele evento. Vemos a luta para juntar as provas e ao mesmo tempo vemos os promotores sofrendo as mais diferentes ameaças por estarem investigando os crimes daqueles militares. Para muitos dos apoiadores daqueles militares que estavam no poder (chamados durante todo o filme de fascistas, e são isso mesmo) o maior crime mesmo é o fato daquelas pessoas estarem sendo julgadas. Inclusive, muitas das “defesas” são semelhante as que ouvimos aqui no Brasil quando falamos sobre punir os responsáveis pelas torturas e sequestros: “eles estavam defendendo o Brasil”, “Quem foram os bandidos?”, “Que crimes eles cometeram?”, tudo isso para desqualificar e, de toda a forma, justificar as ações cruéis cometidas pelos ditadores.
As acusações e os depoimentos são bem semelhantes a tudo o que já ouvimos sobre a ditadura militar nos outros países da América Latina. Sequestros, torturas, assassinatos e ocultação. Assim como na cruel ditadura que aconteceu aqui no Brasil, muitas pessoas tiveram seus familiares e amigos tirados de suas casas e nunca mais foram vistos. Vemos em “Argentina, 1985” pelo menos uma tentativa de punir aqueles que foram diretamente responsáveis por esses atos.
Para nós, brasileiros, que vivemos sempre com medo da sombra da ditadura, ver esse filme é um misto de sentimentos. De medo e lembrança, com certeza, mas também o da impunidade. É muito difícil alguém não se emocionar e não sentir repulsa daqueles homens ao ouvir os depoimentos, ao ouvir uma mulher dizendo que teve que fazer o trabalho de parto enquanto estava algemada ouvindo ameaças de que logo as duas – mãe e filha – estariam mortas, e que depois que sua filha nasceu ela foi obrigada a limpar mesas e só depois, poder segurar ela no colo. E o sentimento de impunidade vem quando terminamos o filme, não pelo que vemos no filme, mas por sabermos que a maioria das pessoas que cometeram crimes semelhantes aqui no Brasil não foram punidos, inclusive são lembradas como heróis por uma parcela vergonhosa do nosso país.
Quando Strassera está lendo a acusação parece que ele está falando sobre nós. Sobre o que também vivemos, sobre o terror que boa parte dos países latinoamericanos sofreram. Neste momento não consegui ouvir nem meu pensamento, apenas me emocionar com as palavras, com a imagem das Mães da Praça de Maio colocando novamente os lenços na cabeça. O que resta do filme para nós é o literalmente dito “Nunca Mais” e a esperança de que seja assim.
A memória é muito importante, por isto deixo aqui esse vídeo de depoimento da Criméia Almeida, assistam e vejam as semelhanças.