Existem alguns símbolos que o cinema nacional parece estar tentando resgatar ou ressignificar de alguma forma. Mas, quando vejo os filmes contemporâneos tentando fazer isso me traz a pergunta: precisamos mesmo destes símbolos? E também; em algum momento eles foram nossos? Aqui me parece necessário relembrar que muitos dos elementos que alguns defendem uma “ressignificação” nunca foram, de fato, nossos. Pelo contrário, sempre representaram a elite que sempre dominou o país e as ideias.
Essa reflexão veio quando estava assistindo à dois filmes nacionais e que tentam ressignificar alguns desses elementos: “Marighella” de Wagner Moura e “Medida Provisória” de Lazaro Ramos. Em ambos os filmes há um sentimento de que precisamos voltar a pensar positivamente em elementos da nossa nacionalidade, das cores da nossa bandeira, do nosso país e etc. Lembro que a primeira coisa que veio na minha mente depois de ver “Marighella” foi de que me pareceu que o combatente era mais um nacionalista/patriota do que um comunista. Há, inclusive, a cena final em que estão os personagens em roda cantando o hino nacional com força e muita emoção.
Ao mesmo tempo em “Medida Provisória” há esse sentimento de tentar resgatar esse sentimento nacionalista, o Juliano Gomes e a Lorenna Rocha discutiram isso muito bem no primeiro texto/dialogo que os dois fizeram no site Indeterminações. Mas, ao mesmo tempo em que tentam ressignificar alguns destes elementos eles buscam criar outros, como é o caso de mudar o nome de “quilombo” para “afrobunker”.
Sempre que vejo essas tentativas eu fico pensando: mas esses elementos em algum momento foram nossos? Muito se fala sobre as cores, o verde e amarelo, de que precisamos dar um jeito de parar de ter vergonha de usar essas cores, principalmente depois das manifestações da ala direita da sociedade brasileira. Mas quando essas cores foram realmente do povo brasileiro? Houve aquela história e foi ensinado que essas cores representavam “as arvores e o ouro que nos foi roubado”, quando na verdade são as cores da coroa portuguesa que estava no poder aqui no Brasil. Essas cores não eram nossas antes de 2014. Essas cores literalmente nunca foram do povo brasileiro. Qual o motivo então do cinema brasileiro precisar (“re”)conquistar esses símbolos?
Sempre que vejo esses filmes com esse tipo de atitude fico pensando, onde está o entendimento do que foi a história do nosso país? Por exemplo, como em um filme sobre Marighella, um guerrilheiro urbano que literalmente foi assassinado pelo estado brasileiro, o lado que buscam mostrar com mais ênfase é o da defesa de símbolos que representam esse mesmo estado? Não faz muito sentido para mim.
Quando vejo esses filmes fico pensando em qual Brasil ele está sendo produzido, qual é a visão do nosso país que esse cineasta têm? Vejo esses filmes que buscam exaltar um nacionalismo – que não me parece nosso, mas sim algo “estrangeiro” ao povo brasileiro – e lembro do filme “Menino 23” de Belisário França. Após séculos de escravidão – encorajada e permitida por aqueles a quem as cores da nossa bandeira realmente representam -, mesmo após a abolição, houve pessoas que foram escravizadas no nosso território. Como podemos exaltar esses símbolos tendo isso em mente?
Prefiro, na verdade, que o cinema brasileiro ou busque construir novos símbolos que realmente nos representa ou que aponte nossas câmeras para os símbolos que realmente são nossos e que representam o nosso povo, como é o caso dos quilombos e outros.
Isso tudo me faz lembrar da frase de Paulo Emílio Sales Gomes no artigo Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento quando ele dizia “não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de uma cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é”. Nós não sabemos o que é nosso, o que e quais são os nossos símbolos. Confundimos elementos dos outros como se fossem elementos criados por nós e para nós.
Aqui eu não estou defendendo que paremos de utilizar os símbolos nacionais ou que exaltem a nossa nacionalidade, mas questiono: o cinema contemporâneo tem utilizado símbolos realmente que representam o que é o povo brasileiro ou está só tentando disputar por elementos que nunca foram nossos? É realmente necessário “ressignificar” esses símbolos? Provavelmente voltarei a esse texto em outro momento, já que as respostas para essas perguntas geram novas perguntas e novas reflexões. Mas acredito que esse seja um caminho de reflexão que o cinema e a crítica brasileira precisa fazer.
Sei que não é um problema especificamente do nosso cinema, vai além, é da formação do nosso povo. Como eu disse, a falácia de que as cores da nossa bandeira representam outra coisa que não as cores das casas imperiais são reproduzidas até hoje. No entanto, acredito que nosso cinema pode mais do que simplesmente reproduzir essas ideias, pode mais do que tentar disputar por símbolos e ideias que nunca foram nossos. Basta entender e querer isso.
Há inúmeros símbolos que realmente representam o que somos. E há filmes que exaltam esses símbolos muito bem. De cabeça me vem a mente o “Rosa Tirana” do Rogério Sagui, o filme “Rodson ou (onde o sol não tem dó)” de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Orlok Sombra, ou mesmo os filmes de Adirley Queirós. Todos esses são exemplos que devem ser seguidos sobre como retratar e exaltar símbolos que realmente são nossos e representam o que somos.