Gosto bastante do cinema feito por Matheus Marchetti. Sua visão da obra “Drácula” de Bram Stoker, que gerou o filme “Às Núpcias de Drácula” é uma das adaptações mais interessantes que vi de um livro. Matheus tem uma visão clara de cinema, quando assisto aos seus filme tenho a impressão de que ele sabe exatamente o que quer fazer e nos mostrar. Me parece um diretor no extremo controle da sua história e de seus personagens.
Acima de tudo, Matheus é um cinéfilo. Tem repertório de filmes de horror e de histórias e lendas para compor os seus enredos. No seu filme anterior vimos que ele conhecia muito bem a história de Stoker, como também conhecia as diversas adaptações de Drácula que aconteceram desde o início da história do cinema. Agora em “Verão Fantasma” ele mergulha não apenas nos mitos sobre histórias de fantasmas, mas em diversas lendas, religiosidades e histórias aterrorizantes ou, no mínimo, intrigantes sobre esse grande mistério que é o oceano.
Antes de continuar a falar sobre o filme, queria separar aqui algumas palavras sobre como foi a produção desse longa e ver o que isso tem a nos dizer sobre o fazer cinema no Brasil e o fazer crítica – vou focar um pouco nessa que é a minha área. Antes de tudo uma explicação: o filme de Marchetti foi realizado com apoio de pessoas que acreditaram no projeto através de uma plataforma de financiamento coletivo. Por isso eu já considero a existência de um longa como “Verão Fantasma” uma vitória que precisa ser elogiada. Vale lembrar que estamos em um período em que os cineastas e o cinema em geral vem sofrendo diversos ataques vindos de todas as formas, então somente de se existir cineastas que buscam fazer seus filmes de forma independente, sem grandes recursos, é um ato de resistência.
Dito isso, qual é o papel da crítica ao falar e analisar um filme como esse? Defendo que o papel da crítica é sempre analisar o filme como ele está ali posto na tela. Nós, enquanto críticos, temos nossos repertórios de filmes e de linguagem do cinema que nos ajudam e balizam os nossos gostos, textos e julgamentos. Porém, acredito e defendo que um bom crítico não tenha e utilize só esses conhecimentos quando vai julgar o valor de uma obra, mas também leve em conta toda a forma e o contexto em que o filme foi produzido.
É obvio que aqui eu não estou defendendo que sejamos menos rigorosos com as obras brasileiras, e sim ter um olhar e compreender como é feita a produção cinematográfica aqui no nosso país. Não podemos – e nem devemos – analisar um filme independente brasileiro com a mesma régua e com os mesmo critérios que analisamos os filmes de grande produções. Não por serem piores – na maioria dos casos são melhores – mas pelo fato de que os filmes são produzidos não só por pessoas e momentos diferentes, mas sim por circunstancias completamente diferentes.
Deste modo, não consigo entender que críticos de cinema analisem filmes independentes, curtas metragens ou diretores estreantes como um olhar tão inflexível que as vezes parece que queria escrever que o melhor seria nem ter lançado ou produzido o filme. Considero essa não apenas uma prática contraproducente na crítica, como também nociva ao cinema e cineasta.
Voltemos agora ao filme. O horror trabalha muito bem com a questão dos traumas, acredito que esse seja o gênero que melhor lida com esse elemento. ‘Verão Fantasma” parece caminhar nessa estrada quando faz suas voltas ao passado ou quando fala sobre a relação daqueles personagens que estamos assistindo com suas famílias.
Aliás, Matheus parece mergulhar nesse trauma familiar ao longo do filme. A casa é de família e parece estar abandonada, o personagem principal está ali para fugir da sua mãe que, nas poucas vezes em que aparece ou é mencionada parece ser uma pessoa que tenta sempre controlar e podar as ações e o sentimento das pessoas.
“Verão Fantasma” além de brincar com toda a simbologia oceânica, brinca também com toda as mitologias e signos de filmes de fantasmas, assombrações e desaparecimento de pessoas. E, acima de tudo, mescla sonho e realidade de uma forma que nos deixa em duvida se o que estamos vendo é algo que está acontecendo ali naquela realidade, ou é um sonho de algum personagem.
Além de tudo isso, o diretor ainda consegue mesclar todos esses elementos com o descobrimento de novos desejos e o afloramento sexual durante a adolescência. Tudo isso sem perder de vista o tema central da obra, na verdade, mesclando os dois e transformando todos os assuntos em um só.
Gostei de “As Núpcias de Drácula” e adorei “Verão Fantasma”, a cada trabalho de Matheus Marchetti eu fico ainda mais curioso pelo próximo. Só resta aguardar.
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