Vida e morte. É assim que começa “Tre Piani”, novo filme de Nanni Moretti. A cena começa com uma mulher descendo a rua grávida e com o filho próximo de nascer. Enquanto está na rua, tentando achar um táxi ou pedir uma carona, ela quase é atropelada, o carro desvia dela, atinge outra mulher e só para quando atinge o muro de uma casa.
Nesse momento conhecemos os núcleos de história que acompanharemos durante todo o filme. É interessante que parecemos ver os vários estágios da constituição de uma família, principalmente no que diz respeito ao momento de relação entre país e filhos. Explico: temos uma mãe que está tendo a sua filha no início do filme, logo é uma relação entre família e bebe. De outro lado temos a relação entre uma família e uma criança de sete anos de idade, naquela fase em que há mais dúvidas do que respostas. Por último, têm uma relação entre país, um pouco mais velhos, com o filho adolescente. Parece ser aquele momento de conflito, de ideias e físico. O que liga todos esses núcleos é o fato de todas essas famílias morarem no mesmo prédio.
Cada um dos três núcleos familiares tem suas próprias questões, parece que estamos assistindo a uma novela da televisão brasileira, mesmo que os núcleos parecem todos se conhecer, eles vivem suas vidas particulares e tem suas próprias questões. Todas elas dramáticas, com assuntos delicados e que não nos deixam em paz em nenhum momento.
Sara (Elena Lietti) e Lúcio (Riccardo Scamarcio) são os pais de Francesca (Gea Dall’orto). Os pais tinham a prática de quando saiam de casa, deixavam sua filha com um casal de idosos vizinhos. Um dia, o homem desse casal de idosos são com sua filha e, por conta do problema de memória, acabam se perdendo sendo encontrados por Lúcio em um parque. Lúcio começa a suspeitar que Francesca tenha sido abusada nesse ocasião, sem nenhuma prova médica ou indicativo de que isso tenha de fato ocorrido. Lúcio fica obcecado e passa a agir de forma totalmente sem controle. Tanto que, em um certo momento, a situação se inverte. Lúcio não é mais a pessoa que está procurando indícios de um abuso, ele mesmo acaba cometendo um. Dizer mais sobre isso seria revelar demais sobre essa trama, então vou parar por aqui.
Monica (Alba Rohrwacher) é a mãe que acaba de ter sua filha. A questão da história dela é uma mistura entre estar sozinha e ter medo de ficar doente, assim como sua mãe. Vemos em alguns momentos ela tendo que lidar sozinha com as questões da maternidade, já que seu marido tem que viajar a trabalho, deixando-a sozinha durante a maior parte do tempo. Por outro lado, vemos a mãe dela em um instante, percebemos que ela tem questões com alguma doença que a faz perder a noção da realidade. O medo de Monica é que a mãe começou a desenvolver essa doença após ter dado a luz, momento esse que mônica está passando. E o pior de tudo: ela é obrigada a passar por tudo isso sozinha.
As últimas questões são sobre o casal Dora (Margherita Buy) e Vittorio (que é interpretado pelo diretor, Nanni Moretti), eles são pais se Andrea (Alessandro Sperduti), o jovem que estava dirigindo o carro do acidente da primeira cena. Aqui temos um conflito moral: Andrea matou uma mulher no acidente, vai ser preso por isso. Seu pai, Vittorio, é um juiz e poderia ter tentado diminuir a pena de seu filho. Mas não faz. Vittorio se mostra como uma pessoa justa e que não está disposto a passar por cima de suas convicções. Essa decisão coloca Andrea na cadeia por cinco anos. E toda a relação da família vai por água a baixo.
Voltemos novamente ao que me parece tratar o filme. Vida e morte. Em todo o momento esses dois polos se relacionam. A mulher que parece só começar a viver do seu modo quando o marido morre. Que passa a viver as suas vontades – simples, até, como comprar uma roupa – e que volta a sua família. “Tre Piani” é essencialmente sobre os recomeços depois do passar da morte, mesmo quando ela não é diretamente relacionada com os personagens.
Nanni Moretti em seu filme, que abarca 10 anos mais ou menos, passa por diversos estágios da vida. Todos eles, como sabemos, terminando na morte. Mas o que ele faz aqui é mostrando que isso não significa o fim.