Boa parte da minha visão sobre os filmes de guerra vêm muito da minha experiência de cinefilia com a trilogia de Roberto Rossellini e de outros filmes que fazem parte do chamado “neorrealismo italiano”. Não consigo ver em um filme que retrata um acontecimento tão dramático e aterrorizante como é o caso de uma guerra como algo grandioso ou espetacular, pelo contrário, sempre vejo como algo horripilante e que têm diferentes impactos na vida das pessoas. Tanto as que participaram efetivamente da guerra, lutando com armas e em trincheiras, quanto as que tiveram suas vidas drasticamente mudadas por morarem em um lugar que virou um campo de batalha, ou mesmo por fazer parte de um grupo que é considerado inimigo por alguns dos lados. Isso, pensando, é claro, em filmes que retratam o momento em que está acontecendo a guerra, mas o que acontece quando ela acaba? O neorrealismo mostrou em diversos filmes a miséria, o desemprego e o desespero que foi instaurado na Itália (e em outros países) após a Segunda Grande Guerra.
E aqui chegamos a “Stromboli”, filme de 1950 e dirigido por Roberto Rossellini em sua primeira parceria com a grande atriz Ingrid Bergman. O filme começa com Karen (ingrid Bergman) em um campo de refugiados de guerra, quando seus planos de se mudar para a Argentina se frustram ela aceita se casar com Antonio (Mario Vitale) e se mudar para Stromboli, a aldeia isolada onde irá morar com o seu marido.
A grandiosidade dos filmes de Rossellini é de dentro do neorrealismo (e aqui estou me recordando do artigo “Em Defesa de Rossellini” que André Bazin escreveu, quando críticos italianos não o categorizavam assim pelos temas que seus filmes retratavam) mergulhar no intimo do ser humano e a partir dai trazer imagens e reflexões morais e pessoas sobre aquelas personagens e de nós mesmos. No filme, desde que Karen chega a ilha, ela se sente deslocada e presa, sem ninguém para conversar e nem mesmo para se identificar como pessoa. Em um momento em que ela sai desesperada pela ilha, encontra um garotinho sentado na escada, nesse momento ela sente que pode ser compreendida por alguém. Mas assim que chega lá e pergunta se ele está chorando e vendo ele responder que não sente-se novamente sozinha.
Karen é uma estrangeira de todas as formas possíveis. Não se vê na cultura, nos costumes e nem no pensamento daquelas pessoas. Se auto impõe um isolamento e, ao mesmo tempo, é colocada em isolamento pelas outras pessoas que moram na ilha, acusando-a de não ser humilde para viver ali. E sempre que tenta se socializar com outras pessoas é acusada de estar fazendo algo errado ou de estar em companhia das pessoas erradas. Dentro da ilha ela parece estar sempre sofrendo algum tipo de violência, quando não física e psicológica, é simbólica.
Paulo Emilio Sales Gomes em um texto sobre Rossellini diz que “neorrealismo é para ele uma posição moral através da qual contempla e investiga o mundo; e praticamente significa acompanhar com amor os seres através de todas as suas impressões, descobertas, perplexidades e vicissitudes, evocando simultaneamente a contemporaneidade e a eternidade do humano”. Em “Stromboli” o que vemos é isto, uma investigação sobre o ser humano enquanto tal, em uma situação de desespero por estar em completo desencontro consigo mesmo, buscando uma saída, mesmo que isso possa significar a morte. Na verdade, Karen nem se sente viva dentro daquela ilha, então ela praticamente já está morta, o que vemos é a procura de seu renascimento.
“Stromboli” entrou recentemente no catálogo da plataforma de streaming Mubi.