Uma das discussões que mais gosto dentro do cinema é sobre as definições e os limites de um determinado gênero. A partir de quando podemos encaixar um filme como horror? De comédia? De romance? Enfim, como encaixar o filme dentro dos gêneros e subgêneros é algo que eu sempre gosto de estudar e debater. Particularmente, levo em consideração mais a nossa subjetividade – a partir de onde estamos olhando – para definir se um filme faz parte desse ou daquele gênero. O horror é um exemplo disso, muitos dos filmes que eu considero aterrorizantes são assim por conta da minha visão do que me dá medo, do que me aterroriza.
Claro que não podemos partir apenas do subjetivo, o filme é por si só algo objetivo. Ele está ai, usou de uma linguagem e precisamos também levar em conta o que estamos vendo e não o que estamos apenas sentindo. Segundo o Dicionário Teórico e Crítico de Cinema, escrito por Jacques Aumont e Michel Marie, citando bem por cima e de memória, um gênero pode ser categorizado como um agrupamento de obras que têm alguma coisa em comum. Nesse sentido, todos os filmes que possuem elementos como mortes, assassinos, fantasmas, sangue e etc… entram na categoria de filmes de horror, objetivamente.
Mas, sempre há filmes que parecem ou fugir dessas denominações ou exercer um certo hibridismo, passeando pelos mais diversos gêneros dentro de um mesmo filme. Nesse caso, percebo que há um certo preconceito com a denominação com o horror. Um exemplo disso é “O Homem Invisível” de Leigh Whannell, muitos até hoje defendem que mesmo o filme tendo diversos elementos de horror ele é, na verdade, um filme de ficção científica. Não consigo entender quem defende que esse seja um filme apenas de ficção científica, a cena inicial de Elisabeth Moss fugindo da relação abusiva é uma das coisas mais aterrorizantes dos últimos anos. Como dizer que isso não é horror?
Pensando no caráter subjetivo que eu comecei falando nesse texto, me lembro da discussão sobre “Nascimento de uma Nação” de D.W. Griffith. Como não dizer que um filme onde vemos pessoas negras sendo espancadas e a chegada da Ku Klux Klan sendo ovacionada não é algo horroroso? Lembro das considerações feitas por Robin R. Means Coleman em “Horror Noire – A representação negra no cinema de terror” onde ela fala sobre o quanto esse filme foi nocivo para o imaginário sobre pessoas negras. Como falar que esse não é um filme de horror? Ainda nesse mesmo caminho podemos falar da já clássica cena inicial de “Corra!” de Jordan Peele, um homem negro caminha pelas ruas do suburbio estadunidense, onde os moradores são predominantemente brancos e todas as ruas tem nomes iguais. Sabendo do retrospecto da violência histórica dos Estados Unidos já sentimos medo, pelo simples ato daquele homem estar caminhando ali.
Há diversos outros exemplos de como um filme pode ser definido através de seu caráter subjetivo e também a partir de medos sociais. Por isso defendo que quando vamos escrever sobre esses filmes, temos também que levar em conta o caráter subjetivo dele, o que sentimos e o que estamos vivendo e não apenas o que está ali sendo transmitido na tela. O cinema é uma arte e uma das inúmeras possibilidades que um filme tem é nos fazer sentir as melhores e piores emoções, isso tem que ser levado em consideração.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy no dia 27 de setembro de 2021.