Por algum motivo que eu ainda não entendo muito bem, me deu uma enorme vontade de estudar e (re)ver alguns filmes japoneses. Por isso aproveitei para pegar aquele livro que eu estava encarando “História do Cinema Japonês” da Maria Roberta Novielli e aproveitei para ver alguns filmes e rever outros. Um que eu nunca tinha visto e que vi recentemente foi “Império dos Sentidos” de Nagisa Ōshima e que, coincidentemente, foi o prefaciador do ótimo livro da Novielli. Revi o magnífico “Pai e Filha” de Yasujiro Ozu e me encantei de novo com a sua forma de filmar e os dramas ali enquadrados por ele. Fui atrás de rever “Contos da Lua Vaga” de Kenji Mizoguchi, um drama fantástico sobre amor e morte. E por fim, revi o impressionante “Rashomon” de Akira Kurosawa.
A minha vontade de rever “Rashomon” veio pelo prefácio de Nagisa, quando ele relembra que esse foi o primeiro filme japonês a ganhar a Leão de Ouro no Festival de Veneza. É interessante ver o quanto essa história lá de 1950 ainda nos fascina e nos impressiona nos dias de hoje. Sabemos de um acontecimento, o assassinato de um homem e o estrupo de uma mulher. Vemos então o julgamento do algoz, e aí está a genialidade dessa obra: vemos os testemunhos que hora diferem completamente uns dos outros e hora acrescentam novos elementos. A parte que entra no gênero fantástico é a de que o assassinado também está presente e dá o seu depoimento sobre a sua própria morte. Kurosawa faz os espectadores verem e reverem as cenas através dos depoimentos, ficamos com as mesmas dúvidas sobre o que aconteceu ali e como se deu toda aquela situação.
Somos guiados pelos depoimentos, e é muito comum em filmes dos dias de hoje usarem a mesma narrativa, em filmes de tribunais ocidentais, por exemplo, essa é uma fórmula bem típica. De cabeça vem dois exemplos que assisti recentemente: “Monstro” e “Os 7 de Chicago”. No primeiro temos um filme assumidamente feito na referência de “Rashomon”, assumidamente pois citado em diversas partes do filme, inclusive como metáfora para o que estamos prestes a ver durante toda aquela história. Já o segundo vem a minha cabeça pela forma em que o drama se desenvolve no filme, vemos os depoimentos e depois os acontecimentos, somos jogados do presente ao passado em todos os momentos, e há, nos dois casos, uma certa fragilidade do conceito de verdade e sobre o que realmente aconteceu naqueles eventos.
A atualidade de “Rashomon” e de Kurosawa não acaba nessas referências a seu filme. A forma como Kurosawa filma e conta essa história não é só cativante, mas atemporal. Se não fosse o fato de que o filme é preto e branco dificilmente alguém diria que esse filme foi realizado nos anos 50. As cenas e a forma como ele escolhe para narrar a história são até hoje impressionantes. Somos envolvidos naquela história de tal forma que parece que estamos em uma plateia de julgamento sem realmente estar lá (afinal, não aparece plateia naquele julgamento).
Nas últimas semanas alguns críticos voltaram seus olhos novamente para este clássico do cinema, espero que isso traga também novos olhares de novos cinéfilos, que todos descubram e redescubram essa obra, apesar de ela não ser um filme esquecido do Kurosawa, mas o fato de que ela volte a circular na internet pode ser o ponto de partida para novas discussões, “Rashomon” merece.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 09 de Agosto de 2021.