O tema da coluna dessa semana é um filme de horror francês, mas acaba sendo impossível não comentar sobre o horror que estamos vivendo. Mais aterrorizante do que qualquer obra de horror é o que vem acontecendo com a Cinemateca Brasileira, com a nossa cultura e com a nossa história. Como cientista social, crítico e pesquisador de cinema não tem como ficar bem vendo as fotos do galpão da Cinemateca pegando fogo. É quase que uma faca no coração – para fazer uma ligação com o filme que ainda vamos falar aqui – ver aquilo e saber que ninguém está cuidando de todo aquele material. É triste e eu, como colunista aqui na página do Cinefantasy, não poderia passar sem comentar sobre o assunto aqui.
Agora passamos para o filme de hoje: quando pensamos em cinema de horror francês logo vem a nossa mente os que fazem parte do chamado horror extremo, que tem como expoentes os sangrentos “A Invasora” (2007), “Mártires” (2008) entre outros. Mas hoje falaremos de outro filme, “Faça no Coração” do diretor Yann Gonzalez.
É uma história de matança. Anne produz filmes pornôs gays e depois de passar por um término conturbado com sua parceira está na produção do seu mais novo projeto. Mas, um assassino mascarado está matando os atores do seu novo filme e Anne se vê no meio de toda essa matança enquanto tenta ficar bem com sua mente cheia de traumas e lembranças da antiga namorada.
Além de ser um ótimo filme ele é completamente metalinguístico. Estamos assistindo a um filme sendo produzido e em alguns momentos nós estamos assistindo as personagens assistindo o filme que elas mesmos estão produzindo. A metalinguagem não está apenas aí, Anne utiliza os elementos da vida cotidiana dela para compor as cenas do seu filme pornográfico. Primeiro vemos a cena real, como por exemplo, um interrogatório. Em seguida vemos essa mesma cena transformada em uma cena de filme porno, com todas as características e personalidade da diretora.
Na última parte do filme a metalinguagem é levada às últimas consequências. Nos vemos em um cinema observando o resultado das filmagens de Anne e ao mesmo tempo ela está assistindo um evento acontecendo na sala do cinema. Nesse momento nós e Anne somos um só e temos a mesma posição, a de espectador.
“Faca no Coração” é um lindo filme, mesmo sendo um sangrento filme de horror. Têm amor, romance, crítica, metalinguagem e catarse final, é um desses ótimos filmes de uma nova leva de horror francês.
Na semana em que vimos mais um ataque ao nosso cinema e a memória, assistir um filme que homenageia a mágica do filme foi uma espécie de catarse pra mim. Viva o cinema.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 02 de Agosto de 2021.