Os dias finais do Festival do Rio na Telecine foram marcados – pelo menos para mim – pelo incêndio no galpão da Cinemateca. Não consegui naquele dia produzir nada e nem escrever nada que não fosse sobre esse assunto. Por isso acabei não escrevendo sobre os filmes que eu tinha visto nos últimos dias do Festival. Para não perder a oportunidade de falar sobre dois filmes que considero terem algo de importante a dizer, decidi então escrever sobre os dois agora.
Os últimos filmes que vi foram “A Candidata Perfeita” é um filme saudita e conta a história de uma mulher que decide se candidatar a um cargo no governo. Ela é Maryam (Mila Al Zahrani) e de início ela só aceita fazer isso para conseguir falar com uma pessoa de influência na prefeitura, mas ao entender que com esse cargo ela conseguiria fazer mudanças significativas na sociedade ela se empenha ao máximo para tentar se eleger.
Como cientista social e pesquisador eu tento não olhar uma cultura que eu não conheço ou não estou familiarizado com os olhos da minha própria cultura ( as vezes é difícil, afinal o nosso olhar é construído e moldado ao longo da nossa vida pela nossa própria cultura). Mas é impossível para nós da nossa realidade não estranhar o modo de vida mais religioso e muito mais patriarcal que é o do país saudita onde se passa o filme. Somos guiados pela diretora Haifaa al-Mansour a termos um olhar crítico para toda aquela situação, um olhar de contestação para a estrutura de opressão que estamos vendo. Ao mesmo tempo essa contestação não é contra a cultura ou mesmo a religião, me parece que ela vai mais no sentido de criticar as estruturas e não a cultura de um povo.
Algo que me fez pensar foi, o Brasil é um lugar tão diferente assim em termos de representação política? Não estamos vivendo no mesmo sistema política e nem social que o representado no filme, mas por aqui temos apenas 12% dos espaços políticos institucionalizado ocupado por mulheres.
O outro e último filme que vi no Festival foi “Verão de 85”, um drama/romance francês dirigido por François Ozon. Nele temos a história de Alexis (Félix Lefebvre) e David (Benjamin Voisin) que se conhecem no verão e acabam criando entre si uma relação de amizade e de amor.
Logo de início já vemos um monólogo de Alexis sobre a morte e anunciando que esse filme é sobre a história dele e de um cadáver. Avisando também que quem não queira ver algo desse tipo, o filme não é para eles. De uma certa forma a afirmação de Alexis está certa, o filme é sobre o encontro dele com um cadáver, mas vai muito além disso. É um filme sobre descoberta e redescoberta, sobre crescimento e superação do luto. Sobre o lidar com um relacionamento na adolescência e os traumas causados nesse período. Isso faz um filme sobre o encontro com um cadáver ser algo extremamente lindo e sensível. Quando assisti ao filme estava preparando minha aula sobre crítica de cinema de horror, por isso foi impossível não pensar na celebre abertura do filme “A Meia noite Levarei Sua Alma”, Mojica trajado de Zé do Caixão declama: “O que é a vida? É o princípio da morte. O que é a morte? É o fim da vida”. Vemos uma vida iniciando e a sua história até a morte.
Gostei do filme não se basear no imaginário dos anos 80 que estamos acostumados e já saturado nos últimos anos. O filme se passa nos anos 80, o nome do filme é sobre os anos 80, mas ele não utiliza disso para contar a sua história. Ele se garante na relação de amor, no carinho e na perda. Esse, talvez, tenha sido o que mais gostei do filme.
De uma certa forma os dois filmes se relacionam, ambos dialogam com a ideia de superação de alguma coisa e da construção da sua própria identidade, seja na esfera dos preconceitos enraizados em uma sociedade. Ou em um relacionamento durante a adolescência.
Foi bem interessante assistir esses filmes que dizem algo sobre superação nesse período conturbado que estamos vivendo, dá uma esperança de que tudo vai melhor. É o cinema nos salvando. Esperemos.