O que mais me fascina na ficção e na fantasia é o fato de serem ótimos meios de nos fazer fugir do real. No início desta minha coluna eu exemplifiquei isso por intermédio do curta “Náusea” de como a personagem utiliza uma narrativa fantástica para, em sua cabeça, fugir da verdade e maior horror que é o da sua própria realidade. Narrativas assim não são raras, muitos filmes e séries se utilizam do fantástico para que uma personagem fuja de uma realidade opressora. Esse é o caso de “O Labirinto do Fauno” de Guillermo Del Toro.
Como a obra é bem conhecida é provável que você já tenha assistido, mas caso não aqui vai um pequeno resumo: Ofélia está indo viver com um novo marido de sua mãe que é oficial do exército e a partir daí observa diversas violências, tanto contra ela e sua mãe quanto contra a população onde o exército está instaurado. Em um momento Ofélia começa a ver um Fauno que a ajuda e passa algumas “missões” para ela.
Só aí temos dois elementos importantes: o fato de Del Toro utilizar o cinema fantástico para falar sobre a opressão do exército franquista e como ele utiliza a imaginação da Ofélia para fugir de toda aquela realidade. A forma como “O Labirinto do Fauno” lida com todas essas questões é interessantíssima e cria várias possibilidades de leitura. Por um lado, mostra que mesmo em um mundo fantástico com Faunos e outras criaturas mágicas o maior mal é o que o próprio ser humano pode causar. Em outro sentido, podemos ler as visões e aventuras que Ofélia tem com o Fauno são todas criação de sua cabeça, como que para fugir de uma realidade cruel, somente uma fantasia bem elaborada.
O final do filme – calma, não vou dar spoiler – é o que mais me deixa intrigado nessa segunda linha de interpretação do filme. Ou podemos ter um final feliz e acreditar que sim, o mundo fantástico proposto no filme realmente existe e que todos ali estão bem. Ou é um dos finais mais tristes que um filme poderia ter.
“O Labirinto do Fauno” é para muitos uma grande obra de fantasia, para mim é um ótimo exemplo de como se utilizar a ficção e o cinema fantástico para mostrar as contradições de um discurso ou de uma guerra. Mas principalmente, de um governo com a ajuda de seu exército pode ser mais aterrorizante do que qualquer ficção.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 05 de Julho de 2021.