Continuando a minha série de conversas com críticos, hoje falo com Alysson Oliveira. Colega da crítica que publica textos tanto sobre cinema quanto sobre literatura e tem sempre coisas interessantes para dizer sobre filmes e livros.
Ele publica com frequência no site Cineweb, mas possui textos em outros lugares. Na entrevista cito um texto dele sobre Megalópolis publicado no blog da Boitempo.
ENTREVISTA
Euller Felix: Pode contar um pouco sobre sua relação com o cinema, como começou, como
se viu como um crítico de cinema? Um pouco da sua história mesmo.
Alysson Oliveira: Minha relação com o cinema começou quando eu era criança, e minha mãe me levou pra ver ET. Entrei na sala já estava escuro, e a criatura na tela enorme. Chorei o filme todo de medo (rs). Fiquei anos sem ir ao cinema, só comecei na adolescência, mas espaçadamente. Foi só na faculdade de jornalismo que comecei mesmo a ver mais filmes, filmes mais sérios. Agora, até hoje não sei se me vejo como crítico. É uma palavra tão dura, traz um peso que não sei se quero. Acho que sou mais um jornalista que escreve sobre cinema, resenha filmes.
Euller Felix: Sua pesquisa acadêmica é sobre literatura, certo? Também leio muito seus textos sobre literatura. A sua relação com a literatura é semelhante à do cinema? Em relação às críticas, o que você destacaria das dificuldades das duas atividades? (Entre a crítica de cinema e a crítica literária)
Alysson Oliveira: Sim, minha pesquisa é sobre o romance estadunidense contemporâneo e o neoliberalismo. Embora meu trabalho acadêmico seja mais sobre literatura, acho que a relação que tenho com as duas formas, cinema e literatura, acaba sendo muito próximas, embora, claro, eu tente buscar a especificidade de cada uma. No fundo, as minhas leituras de filmes e livros são sempre em busca a relação delas com a sociedade, o mundo em que vivemos, por isso acabam sendo muito próximas.
Acho que a minha maior dificuldade acaba sendo a mesma para as duas áreas que é, exatamente, essa busca pela relação entre a manifestação artística, que é a forma, e a sociedade, que, no fundo, é o conteúdo de cada uma. É muito fácil fazer uma leitura rasa, do tipo concluir que, um filme que retrate o racismo no Brasil, diga que o Brasil é um país racista. Isso é óbvio. O legal é encontrar como o filme está figurando isso, dando forma artística a isso. É uma investigação bem complicada, e a gente nem sempre consegue.
Euller Felix: Estava lendo seu texto sobre Megalópolis do Coppola no blog da Boitempo e é muito interessante a leitura que você faz sobre as ideias do filme, o futuro da humanidade e o capitalismo como um todo. Acho engraçado que em momentos atuais ainda escutamos pessoas e vemos críticos que se recusam a compreender o cinema como algo político. Como você vê essas posições de uma defesa uma visão apolítica do cinema?
Alysson Oliveira: Acho que é, como diz o filósofo Paulo Arantes, chutar porta aberta dizer que toda obra de arte é política, seja de forma consciente ou não. Se não foi uma escolha consciente do autor, provavelmente vai estar trazendo ideias hegemônicas e dizendo que é apolítico. Ser, supostamente, apolítico é um gesto político, oras.
A mim, parece ingênuo da parte de um artista ou de um crítico dizer que uma obra – seja um filme, um livro, uma série, um reality show etc. – não tenha cunho político. Acho que isso tem muito mais a dizer sobre que emite essa ideia do que sobre a arte em si.
Euller Felix: Quais são os textos e livros que você considera essencial na sua formação enquanto crítico de cinema?
Alysson Oliveira: Na época da faculdade, quando estava começando a levar o cinema mais a sério, eu li dois livros que foram bem básicos, mas me ajudaram muito a começar a tentar entender o cinema. Um deles é Cinema: Um Zapping De Lumière A Tarantino, do Merten, e o outro foi Compreender o cinema, do italiano Antonio Costa. Acho que está um pouco desatualizado, afinal, é um livro dos anos de 1980, mas tem alguns pontos lá que ainda são muito úteis. Ele explica o que é cada elemento do filme, desde os créditos até a pós-produção, e certas coisas não mudam.
Para mim, também, foram fundamentais, mas isso já quando entrei no mestrado, autores mais teóricos e críticos da pós-modernidade que eventualmente escrevem sobre cinema, como o Fredric Jameson, que fala de cinema o tempo todo, mas tem dois livros específicos sobre o tema que me são fundamentais: Signatures of the Visible, uma série de ensaios excelente, e The Geopolitical Aesthetic: Cinema and Space in the World System, que é um pouco mais complexo, mas vale o esforço da leitura.
Destaco, também, outros autores que lidam com a pós-modernidade e, em certa medida, o cinema, que me são caros, como Guy Debord, Jean Baudrillard, Franco ‘Bifo’ Berardi, Evan Calder Williams e Mark Fisher.
Euller Felix: E por fim, qual é a função da crítica de cinema?
Alysson Oliveira: Essa é a pergunta de um milhão de dólares que eu me faço quase toda vez que vou escrever um texto. Vamos combinar que quem descobrir primeiro, conta pro outro?