Na nossa história recente a ditadura militar de 1964 foi o momento político mais cruel que tivemos. Diversos mortos, desaparecidos e torturados. Censura também era uma prática muito comum. E pensar que ainda hoje há quem defenda o que aconteceu naquele período, ou defende que voltemos as políticas daquele período. Eu nem costumo dizer que essas pessoas não entendem de história e/ou política, elas sabem muito bem o que querem e o que defendem.
O cinema pode ser um uma espécie de retrato desse momento histórico. Na verdade o cinema é uma boa fonte histórica, seja sobre este momento seja sobre qualquer outro. É uma expressão artística que dialoga muito bem com o imaginário das pessoas. Além de ser uma arte de representação, o que ajuda também a compreender como as pessoas entendem e encenam aquele momento histórico.
Muitos são os filmes históricos sobre os acontecimentos da ditadura militar brasileira, de cabeça me vêem O que é isso, companheiro? do Bruno Barreto, Batismo de Sangue de Helvecio Ratton, Zuzu Angel de Sergio Rezende, entre outros. Marighella é uma das figuras que vem logo na nossa mente quando pensamos em pessoas que lutaram contra a ditadura militar. Inclusive teve um filme recente sobre ele, escrevi para o Cinema Em Série na ocasião. E tem também tem Que Bom Te Ver Viva da Lúcia Murat, disponível na Mubi Brasil e que foi o filme que escolhi para ver o fim de semana.
Minha primeira formação é ciências sociais, discutir a ditadura militar no Brasil foi um dos motivos de eu ter ingressado no curso. Ainda mais depois de entender que não foi um evento único, que foi uma parte de um série de ditaduras que aconteceram aqui na América do Sul por conta do medo de que algum país seguissem os mesmos passos de Cuba, em tempos de Guerra Fria isso seria horrível para Estados Unidos. Então, para cortar o perigo pela raiz, implantaram diversas ditaduras por aqui no nosso continente.
Lúcia Murat resgata em seu filme memórias de mulheres que ousadamente se levantaram e lutaram contra o regime militar. Em depoimentos destas mulheres, encenações e outras formas narrativas vamos traçando um panorama do que foi aquele período, como foi viver nele e um pouco da história de cada uma destas mulheres.
Os questionamentos que temos assistindo ao filme são muitos. Tanto aqueles que são proporcionados pelas pessoas que estamos assistindo, quanto pelas situações que passamos e pelos discursos que ouvimos recentemente. Um dos que ficou por um tempo na minha cabeça foi: como deve ser manter viva a memória e a história do que aconteceu na ditadura e, ao mesmo tempo conviver com os traumas vividos naquele momento? É uma daquelas perguntas que não tem uma resposta fácil.
Irene Revanche é uma presença que nos marca. Entre os depoimentos, encenações e recortes de jornais, as performances de Irene Revanche nos deixam vidrados. Tudo que ela fala e/ou faz nos deixa impactado. É um espetáculo dentro desse espetáculo de filme.
E para encerrar eu não poderia de deixar de comentar uma coisa. Por mais que conhecemos a história, por mais que já vimos fotografias, filmes e outros tipos de imagens sobre as torturas, elas nunca vão chegar nem perto do que realmente aconteceu com aquelas pessoas.
Há uma força enorme naquelas mulheres que estamos vendo. Há uma força enorme naquelas imagens. Há uma força enorme no filme de Lúcia Murat.
Que Bom Te Ver Viva te leva a essa jornada de questionamentos, te leva a uma jornada de dor e de memória. De persistir em viver mesmo após as maiores atrocidades que alguém poderia e deveria sobreviver. É um dos melhores filmes sobre um dos piores períodos que nosso país presenciou.