Uma coisa engraçada passou pela minha cabeça quando estava assistindo ao novo filme de Wim Wenders, Dias Perfeitos: quando eu sonho é colorido ou é preto e branco? Eu realmente não sei bem a resposta desta pergunta, não me lembro muito bem dos meus sonhos. Sei que ela me veio com as belíssimas imagens desse filme que aparentemente é simples, mas têm uma série de complexidades.
Em termos de cinema eu gosto de filmes como Dias Perfeitos, que mostram muito mais com as imagens e com pequenos gestos do que com falas, diálogos ou explicações. Gosto dessa magia do cinema de nos dizer tanta coisa sobre personagens, situações familiares, cotidianas e de trabalho somente com alguns segundos de cena em completo silêncio, com um close no personagem ou coisa do tipo. Acho que com as produções aceleradas em que tudo acontece de forma abrupta, sentimos falta de obras que valorizam a lentidão e os acontecimentos corriqueiros da vida.
Wim Wenders faz todo esse movimento com calma. O que mais gostei do seu novo filme é a valorização do silêncio e das nossas percepções em relação ao que o personagem está sentido. Kōji Yakusho está incrível interpretando Hirayama, um homem que trabalha limpando banheiros públicos em Tóquio. Toda vez que algo está acontecendo olhamos suas expressões e, ao mesmo tempo em que parecemos ter certeza de entendermos o que ele está sentido, ficamos com dúvidas. Sempre que vi um sorriso de satisfação me perguntava se tinha algo ali que eu não estivesse percebendo. É felicidade mesmo ou há uma tristeza profunda naquela rotina?
Mesmo assim, talvez pela habilidade de Wenders, eu me peguei sorrindo em muitos momentos do filme. Mesmo com a dúvida se aquele personagem realmente estava feliz, algo por entre as idas e vindas da vida parecia me contagiar e me fazia sorrir também, junto com ele.
Talvez os momentos mais complexos do filme sejam quando Hirayama encontra sua sobrinha (Arisa Nakano) na porta de sua casa e ela passa um tempo com ele. Na verdade, como espectadores, nos sentimos igual ao personagem principal. Parece que somos tirados da nossa rotina, sentimos uma estranheza por saímos daquilo que já conhecemos.
Entendemos depois o impacto daquela visita no filme e na vida daquela pessoa que estamos acompanhando em seus afazeres cotidianos. Não é só ele que sente a falta quando ela se vai, nós também sentimos.
A vida, que é repleta de rotinas, esconde sabedorias e sentimentos que talvez ninguém consiga coloca em palavras, nem em imagens, mas tudo está lá. Podemos tirar lições valiosas de uma música, de uma pessoa aleatória na rua, de uma pessoa que vemos na rua e no trabalho todos os dias. O sentimento que fica no filme é que tudo pode ser grandioso. Tudo pode carregar consigo a sua perfeição.
Queria dizer mais algumas palavras antes de encerrar: a música em Dias Perfeitos é um personagem por si só. Ouvimos ela e parece que ela está nos ajudando a montar o quebra-cabeças que é Hirayama. Ouvimos as músicas, vemos a relação do personagem com ela, com o passado e tentamos entender um pouco do que estamos vendo. Não que eu acredite que haja algo para se compreender neste filme. Ele está ali, mas nós (como seres humanos) buscamos algum sentido naquilo que vemos.
Enfim, sonho em preto e branco ou nas cores do dia a dia? Não sei. Sei que entre as rotinas de trabalho e da vida do personagem de Dias Perfeitos eu fiquei pensando em muitas coisas que fazem o nosso dia ser melhor. Pensei também, com uma certa tristeza, que há pessoas que não se emocionam com o cinema, com a literatura e com a arte em geral. Que triste deve ser ver um filme como Dias Perfeitos e não sentir nada.