Já li que se deve desconfiar do crítico que coloca muito “eu” no seu texto, ao mesmo tempo que se deve desconfiar do crítico que não se coloca dentro do seu texto. Quero começar este texto dizendo que considero o cinema brasileiro o mais bonito que existe no mundo. Em parte, para que eu tenha essa opinião, é também graças aos filmes de Kleber Mendonça Filho. Aquarius é um dos meus filmes favoritos, acho que entra fácil na lista de melhores filmes que eu assisti em toda a minha vida cinéfila. O Som ao Redor é outro que tem um espaço bem carinhoso no meu coração. E Bacurau foi o melhor filme que assisti em 2019. Fora os outros trabalhos de Kleber Mendonça Filho (Recife Frio, Vinil Verde), todos são incríveis a sua maneira.
Então só de saber que haveria um novo filme do diretor eu já fiquei animado. Foi nesse grande mar de expectativa que fui assistir ao ensaio/documentário Retratos Fantasmas. O filme parte do apartamento de Kleber, que narra uma série de mudanças na arquitetura de Recife e no Brasil. Vemos um pouco da construção do diretor enquanto um cinéfilo, como ele utilizou sua própria casa para construir e dar vida as imagens de seus filmes. É um puro sentimento do cinema brasileiro: o da construção, de artistas que parecem artesãos e que se utilizam de tudo ao seu redor para conseguir fazer cinema.
Aliás, a mistura das imagens de filmagens de Kleber com as de arquivo e com as imagens dos filmes brasileiros é um deleite. Difícil mesmo é sair da sessão sem ficar com uma lista mental de filmes que você precisa ver/rever. Que amor pelo cinema.
Retratos Fantasmas é dividido em três partes, cada uma à sua maneira consegue nos aproximar ainda mais do cinema de Kleber e do CINEMA – com tudo maiúsculo mesmo. Vemos o quanto os filmes dialogam com a realidade, seja a parte em que os letreiros dos filmes parecem estarem falando com os acontecimentos do mundo, seja com as mensagens destes letreiros para as pessoas – como foi na época da pandemia.
Assistindo e conhecendo todos aqueles personagens, desde as pessoas que trabalharam nos cinemas de Recife, até os próprios cinemas mesmos. Todos são personagens na história de Kleber, e ficamos observando seus momentos de nascimento, crescimento e – infelizmente – desaparecimento/morte.
Falando em morte, o fim do documentário retrata uma cena de melancolia/comédia. O diretor do filme passeia com um motorista de aplicativo. Depois de vermos tantas salas incríveis de cinema serem transformadas em igrejas evangélicas e outros estabelecimentos, observar ele andando de carro pela cidade cheia de farmácias é triste. Você sai do cinema com um misto de paixão e tristeza. Amor e melancolia.
Retratos Fantasmas é um grande ato de amor pelo Cinema e pelos cinemas. Assistir ao filme é reafirmar a cada segundo o quanto o nosso cinema é rico em ideias, técnica e histórias. O Cinema brasileiro é bom demais.