Há algo que eu sempre digo quando assisto aos filmes de Rocky e, agora, os de Creed: esses filmes não são somente filmes de boxe. Ao contrário, são filmes sobre outras questões mais e que tem a prática do boxe como plano de fundo. Inclusive, em muitos dos filmes, o boxe serve apenas como um plano de fundo para uma história mais complexa e intimista.
Na verdade, quando assistimos aos filmes com mais cuidado percebemos que ganhar ou perder a luta está em segundo plano e nem é o mais importante. Como se chega até a luta, como a vida está naquele momento, entre outras situações da vida cotidiana daqueles personagens é o que mais importa nesses filmes. Tanto que, se lembrarmos do primeiro filme de Rocky, ele termina a luta perdendo (mesmo que a dublagem para a TV tenha tentado modificar isso). Ele perder a luta não importa, o que importa foi como ele conseguiu chegar até ali e resistiu bravamente contra os golpes fortes do grande lutador Apollo Creed.
Inclusive vemos muito disso nos filmes de Creed. A vitória é importante, sim, mas como os personagens fazem para chegar ali, como eles se superam cada vez mais, é o mais importante. E, como passamos uma parte da história acompanhando essa superação, essa briga do lutador com o seu próprio corpo, o seu desejo de continuar lutando, quando vemos a luta final parece que estamos ali no ringue junto com ele.
Os dois primeiros filmes de Creed consegue explorar muito bem essas situações, o primeiro melhor do que o segundo, mas mesmo assim são obras acima da média do que se vinha sendo lançado nos últimos anos. Esse terceiro filme, agora assinado por Michael B. Jordan, não é tão bom quanto os outros, mas ainda assim consegue seguir na mesma linha e emocionar.
No novo filme vemos uma história do passado e que reaparece na vida de Creed quando ele se aposentou do esporte. Na verdade, essa foi uma escolha que eu não entendi muito bem e também não gostei tanto. Mesmo que a gente entenda que os lutadores de boxe acabam não prolongando tanto a sua carreira, gostaria de ver Creed enfrentando novos adversários e novas questões na vida dentro do ringue.
Entendi que a escolha para a aposentadoria e a elipse temporal entre os filmes II e III foi para que, Amara (Mila Davis-Kent) a filha de Creed com Bianca (Tessa Thompson) estivesse maior durante essa história e o impacto da criação da filha impactasse diretamente na vida e na prática de esporte por parte de Creed, o que acaba sendo compreensível. Mas ainda assim ficou minha frustação de ver uma aposentadoria tão precoce, aos nossos olhos.
No entanto, ao mesmo tempo em que vemos uma aposentadoria vemos também um amadurecimento de Creed enquanto lutador e pessoa. Vemos que ele tem um olhar mais afiado, que enxerga melhor os pontos fracos dos adversários e sabe o momento exato de atacar. Aqui vemos que Rocky está no filme, não ali fisicamente, mas nos ensinamentos sobre boxe e sobre a vida. Inclusive, vemos que ele acabou criando uma amizade forte com Viktor Drago (Florian Munteanu), que foi seu ferrenho adversário no filme anterior.
No novo filme ele enfrenta também seu passado, suas escolhas e como elas afetaram sua vida. E, como Rocky muito bem ensinou, o maior inimigo não é aquele contra quem ele está lutando no ringue, mas ele mesmo. Creed está enfrentando a si próprio na luta, está enfrentando seu passado e seus próprios pensamentos.
E, na cena final da luta o filme volta a nos colocar no ringue junto com Creed e Dame (Jonathan Majors) para enfrentar não só um adversário ardiloso, mas também o seu passado e suas próprias inseguranças. Creed III não é tão bom quanto os filmes anteriores, mas ainda assim é um grande filme e uma grande história, que vai para além do boxe.