Não gosto muito de análises que falam que um filme tem diversas camadas. Não sei muito o motivo, mas quando escuto isso me dá a sensação de que essas outras “camadas” de um determinado filme não fazem parte da trama principal e que elas estão escondidas ali para serem encontradas. No entanto, é claro que eu compreenda que existem diversas discussões que podem ser levantadas através de um único filme. Mas aí é que está o meu ponto, essas leituras e interpretações estão dentro do filme e não escondidas nos cantos das cenas.
E pensando em filmes que suscitam diversas discussões temos o Islandês “Lamb” dirigido por Valdimar Jóhannsson, um filme estranhíssimo e muito aguardado que acabou de chegar na plataforma de streaming da Mubi. E de forma geral o filme conta a história de um casal que, ao fazer o parto de uma ovelha, vê uma criatura metade ovelha e metade humano e passa a cuidar dela como uma filha do casal.
Mas, aí é onde está o estranho e as inúmeras facetas (ou camadas) do filme. Não sabemos, a princípio, por tudo o que aquele casal passou. Parece ter tido alguns problemas com algo que envolva ou a gravidez ou a perda de uma criança, por isso é compreensível suas ações em relação a adotar e criar uma bebê/ovelha. Parece que Jóhannsson nos mostra, mesmo sem suas personagens dizerem muito, que aquela bebê é um elemento fundamental para a vida daquele casal e das pessoas que compõem ele.
Aliás, em boa parte do filme o silêncio é o que dá tom a história. Não há necessidade de palavras para explicar o que está acontecendo. As imagens e as ações das personagens falam por si só. E também demonstram uma evolução dos dois, de como eles estavam antes e depois de Ada (a bebê ovelha).
Há outras facetas na obra e que podem facilmente criar novas discussões e uma delas é, sem dúvida, a relação com a morte. Tudo o que estamos vendo, como já disse, parece ser fruto de algum trauma ou algum sentimento que aquele casal passou. A morte é algo natural e ambos vivem diariamente com ela, mas como sociedade tendemos a encarar a morte de seres vivos próximos com mais dor e menos aceitação dessa naturalidade.
Em outro sentido, o ato de matar aqui se torna também quase como uma ação natural. Seja quando a mãe ovelha é morta depois de ficar querendo ficar próximo de sua filha ou seja na cena final – que eu não vou dizer para não estragar a surpresa do filme. Aqui a morte com o intuito de proteger ou de manter sua família unida é natural.
Existem outras discussões que podem ser levantadas aqui, mas farei isso em uma próxima revisão. Quero só destacar aqui, por fim, que toda aquela expectativa que nutri pelo filme quando vi o trailer e soube do que se tratava, foi suprida. Não só pela estranheza (convenhamos, uma criança metade humana e metade ovelha é algo estranho), quanto às discussões que o filme propõe, valem pelas suas quase duas horas de duração.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 04 de março de 2022.