Em 2019 o lançamento de “Bacurau”, filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles foi um evento. A frase “você já assistiu Bacurau?” Era uma das que eu mais ouvi. Além de perguntas sobre o significado de uma determinada cena ou de um determinado elemento.
O motivo dessa transformação de um filme em evento passa por várias questões, e é evidente que a qualidade da obra é um dos motivos. Mas gosto de pensar que “Bacurau” é uma síntese do que foi os momentos social e político dos anos 2010 até o lançamento do filme – mas podemos estender até os dias de hoje. Contextualizando: em 2010 temos a primeira eleição de Dilma Rousseff. 2014 temos aquela eleição polarizada e que terminou com uma nova vitória da presidente. A partir da apuração se projetou um golpe que se consolidou em 2016. E tudo isso impactou nas eleições de 2018.
“Bacurau” se passa “daqui uns anos” (hoje?) onde há execuções públicas no Anhangabaú, no centro de São Paulo. Onde a água é negada para aqueles que moram fora dos grandes centros e quem ousa lutar contra o sistema que oprime e mata tem sua cabeça colocada a prêmio. Figuras da política pública tentando comprar votos com comidas e remédios vencidos. Que joga livros em um caminhão e os despeja no chão como se fossem lixo. Talvez só quem nunca olhou pela janela de casa acha que essas situações só acontecem em um filme e que ainda não chegamos no momento em que “Bacurau” está se passando.
Só quem nunca entrou em alguma rede social – principalmente depois de 2014 – acha que aqueles motoqueiros que chegam em Bacurau e perguntam o que são as pessoas que nascem em Bacurau ou que acham que são mais parecidos com estadunidenses e alemães do que com os latinos americanos são uma exceção. Inclusive, impossível não se lembrar da divisão feita por diversos portais de jornalismo que colocavam o norte e nordeste de cor vermelha e a parte sul e sudeste de azul. E depois disso ouvir várias vezes que o Brasil deveria ser separado.
Precisamos falar um pouco da personagem que mais cativou em toda essa história, Lunga (interpretado por Silvero Pereira). Desde o começo do filme vemos o quanto essa personagem é importante no filme. É procurada pelo governo. Atacou e tentou derrubar as pedras que faziam barreiras para a água não chegar em Bacurau. Lunga é um símbolo de resistência. Me lembro de um dado, principalmente quando lembramos o quanto essa personagem é caçada. O Brasil é o terceiro país que mais mata ativistas dos direitos humanos. Lunga aqui, no mundo real, também será caçada.
Para terminar essa última coluna do ano e desejar a todas as pessoas que leram meus textos durante esse ano de 2021 um até logo, quero comentar brevemente os acontecimentos finais do filme, pois eles também falam de esperança.
Além de toda essa questão de conflito entre povo/governo temos uma outra ameaça: uma intervenção externa. Bacurau é vendida para estrangeiros. A população deveriam ser patinhos indefesos que só deveriam estar ali para morrerem. Mas, pela própria ignorância desses estrangeiros, que se recusaram a entrar no museu de Bacurau e entender o quanto aquelas pessoas são de luta, acabaram entrando em um conflito em que os habitantes de Bacurau saíram vitoriosos.
Vi muita gente torcendo o nariz para essa parte da história de “Bacurau” dizendo que destoa de toda a proposta do filme. Mas tem algo mais real do que a subserviência de parte da elite e do governo aos desejos estrangeiros? E não é de hoje. Têm exemplos e exemplos na história do Brasil (se eu fosse citar cada um esse texto não terminaria).
Mas, ainda assim, espero que em 2022 também possamos sair vitoriosos. Até lá, desejo um ótimo final de ano.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 27 de Dezembro de 2021.