O cinema brasileiro é muito diverso e inventivo. “Sinfonia da Necrópole”, filme da Juliana Rojas, conta uma história sobre verticalização e amor dentro de um cemitério. E tudo isso em um formato de musical.
A história mostra Deodato (Eduardo Gomes), um jovem que não se adequa muito bem ao trabalho de aprendiz de coveiro. Quando Jaqueline (Luciana Paes) chega para fazer uma reforma e o caminho dos dois se cruzam, a vida parece ficar mais leve e as coisas parecem caminhar. No entanto, a natureza do trabalho de Jaqueline começa a perturbar os sentimentos de Deodato.
Basicamente a personagem de Luciana Paes foi contratada para verticalizar o cemitério. Assim como acontece com as casas que viram apartamentos nas cidades. Destruir e desalojar túmulos e ossadas, e a partir daí, construir cemitérios verticais (aquelas gavetas), para que assim caibam ainda mais pessoas.
Não há paz para os mortos. O capital precisa se reestruturar e dar conta da demanda que vem surgindo. Mesmo que para suprir essa demanda tenha que tirar o direito dos mortos a descansarem em paz. Deodato parece entender esses sentimentos e sempre contesta as ações da gerência do cemitério. Para onde vão as ossadas? O que vai acontecer se alguém vir atrás desses túmulos que até então são tidos como abandonados? Para a gerência? Pouco importa. Coloca tudo em um saco e depois em um balcão. Em uma determinada cena os próprios mortos dizem isso. Quase como em uma cena do clipe de “Thriller” de Michael Jackson, os mortos se levantam de sua tumba e começam a dançar e cantar questionando o motivo deles estarem sendo retirados dali, dizendo também que isso não deveria ser feito com eles.
E um outro ponto salta aos olhos quando assistimos ao filme, o tema comum dos filmes de Juliana Rojas, o mundo do trabalho. Tudo que vemos é pelo olhar das pessoas que trabalham no cemitério. Quando vemos as coisas ditas pela gerência é sempre como uma ordem, uma obrigatoriedade ou algo que não beneficia realmente as pessoas que estão ali. Mesmo as que não trabalham e a única relação com o cemitério são seus entes queridos, as decisões são sempre para beneficiar um lado, que é o da parte mais rica.
Quando vi o filme me lembrei de uma frase que vi pichada em um muro lá pelos anos de 2014/15/16 (não me recordo ao certo), que era algo mais ou menos assim: “o arquiteto da metrópole é o capital”. “Sinfonia da Necrópole” mostra que mesmo após a morte, é o capital que continua ditando as regras.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Festival Cinefantasy no dia 20 de Dezembro de 2021.