Há filmes em que o tempo histórico entre o seu lançamento e a sua continuação só contribuem para a consolidação da obra. E esse parece ser o caso de “Matrix Resurrections” da diretora Lana Wachowski e que continua a história a partir do ponto final da trilogia, que começou em 1999 e terminou em 2003.
Nasci na década de 1990, portanto, boa parte da minha construção cinéfila foi feita durante os anos 2000. Anos em que a trilogia de Matrix foi lançada e alcançou o sucesso que tem hoje. Como fazia muito tempo que eu havia assistido aos filmes, decidi então fazer uma releitura das obras antes de assistir a continuação e acredito que é necessário destacar algumas coisas referentes ao filme para então podermos falar de Resurrections.
O primeiro filme foi lançado em 1999 e foi dirigido por Lana e Lilly Wachowski, as irmãs Wachowski. Tudo ali continua exatamente como eu me lembrava – tanto do filme quanto em sentimento afetivo com a obra -, a cena de fuga de Thomas Anderson (Keanu Reeves) é uma das cenas mais angustiantes que eu conheço do cinema. E também genial. Morpheus (Laurence Fishburne) ainda nos deixa fascinado por sua postura, destreza e fé na profecia do escolhido e claro, Trinity (Carrie-Anne Moss) a personagem que abre o filme com as ótimas cenas de luta e que é a peça central de que a profecia é algo verdadeiro. O momento em que vemos Thomas Anderson virar Neo é dramático e faz nós, espectadores, mesmo décadas depois, ficar eufóricos e ansiosos para o confronto final contra o maligno Agente Smith.
Já o segundo filme me decepcionou mais nessa releitura. O filme parece se arrastar, principalmente nas cenas de Zion. Quando as personagens entram em Matrix parece mais uma repetição das cenas que gostamos no primeiro filme do que algo para contribuir para a história do filme. Apesar de que, mesmo assim, entram em cena novos elementos e novos personagens, além de explicar quem (ou o que) é a Oraculo (Gloria Foster) e outras pessoas que possuem um grande poder dentro da Matrix.
Já na terceira obra da trilogia temos a revolução e a consolidação da profecia. Zion que, no segundo filme, foi uma parte entediante para mim, nesse filme é uma peça fundamental. Toda a complexidade do seu sistema politico e de defesa, todas as relações de poder lá dentro são as partes mais interessantes. Inclusive mais interessante do que qualquer luta. O ultimo Matrix da trilogia que antes era o menos preferido por mim ganhou uma nova visão nessa releitura da obra e se tornou um ótimo filme dos anos 2000.
Fiz essa pequena recapitulação da trilogia pois o novo filme acontece depois do pacto selado entre Neo – os humanos – e as maquinas. “Matrix Resurrections” não acontece necessariamente no minuto seguinte, vemos os acontecimentos de décadas á frente. Neo está novamente na Matrix, agora como um famoso programador de jogos de video-game. O seu jogo principal e o que lhe deu fama é Matrix, que é sobre os acontecimentos da trilogia original. O novo filme não é feito pelas Irmãs Wachowski, somente por Lana.
O filme é todo metalinguístico, sempre referenciando a própria obra de Matrix. Uma continuação só pode existir graças a uma obra original e Lana Wachowski entende muito bem isso. Inclusive com os comentários dentro do próprio filme de que “o novo jogo” (filme) aconteceria com ou sem a participação dos criadores/atores principais. Lana mostra nesse novo filme que entende muito bem o que foi a sua obra e principalmente o que ela significa para todas as pessoas que cresceram assistindo esse filme.
Acredito que muitas pessoas podem não ter gostado do novo filme já que não houve tantas cenas de lutas e de “bullet time” (algo que é ironizado no próprio filme). Mas do que realmente se trata “Matrix“? Essa é a pergunta de um milhão de dólares, certo? Talvez essa seja uma pergunta do passado, feita – e respondida – lá no começo dos anos 2000. Não é sobre lutas em câmera lenta ou balas voando de um lado para o outro, ora com pessoas desviando e ora com elas parando no ar. Me parece ser mais sobre se libertar de uma prisão (e de um corpo) que não é realmente seu, domínio das maquinas sobre nós e tudo mais. Melhor parar por aqui, já estou me sentindo um daqueles programadores (que exemplificam os debates em torno da trilogia original, mas claro, de forma irônica e satírica) do filme tentando definir sobre o que se tratava e qual era o significado da primeira trilogia.
Disse que a distancia faz bem para certos filmes já que a tecnologia, o modo de vida, as conjunturas sociais e politicas mudaram muito da primeira trilogia para cá. Não vejo como esse filme poderia ser feito próximo ao lançamento do ultimo filme. As coisas precisavam amadurecer e a tecnologia precisava evoluir mais para isso. Assim como Neo e Trinity precisavam estar mais velhos e quem sabe, superados.
“Matrix Resurrections” é um bom filme. Entende o seu propósito dentro do mundo e do cinema. Não é só puro saudosismo com roupagem de uma coisa nova e inovadora para agradar fãs já consolidados de uma franquia e de um tempo. É um filme honesto e por isso mesmo é algo novo.