No famoso prefácio de Stephen King no livro de contos “Sombras da Noite” ele reflete sobre uma pergunta que sempre fazem para ele em suas palestras, qual seria o motivo dele escrever histórias de horror. Essa é uma pergunta muito comum para quem gosta bastante do gênero. Muitos pesquisadores e críticos já falaram sobre o assunto, a resposta que acho mais coerente de todas as que ouvi e li é de que nós gostamos inconscientemente de nos identificar com a vítima desses filmes e nos sentimos bem quando tudo acaba e ainda estamos vivos. É tudo uma questão de identificação e de vencer o nosso medo.
Quando estava assistindo ao filme de Alice Furtado, “Sem seu sangue” fiquei pensando nesse prefácio do King e nessa ideia de vencer os nossos medos. A morte, por exemplo, é uma certeza que temos e que tememos durante boa parte das nossas vidas. Não só temos medo da nossa própria morte como também a daqueles que estão à nossa volta. No filme de Alice Furtado é isso que vemos, um romance adolescente que termina em morte. Mas como Silvia (Luiza Kosovski) vai superar a morte de Arthur (Juan Paiva)? Ainda mais os dois sendo tão ligados e jovens?
Silvia é uma menina calada e voltada para si. Introspectiva, como diz a sinopse que eu li do filme. Ela parece ficar sempre dentro do seu mundo e calada, algo que parece ter se acentuado depois que sabemos que Arthur morreu. Ela não consegue mais encontrar sentido nas coisas mundanas sem a presença daquela pessoa que ela tanto ama.
Aqui volto novamente a Stephen King, o filme me fez pensar nele de novo, precisamente no livro “Cemitério Maldito”, onde vemos tudo que uma pessoa faz para trazer de volta dos mortos aquela que tanto ama. Não sei se Alice Furtado pensou no Stephen King ou na sua famosa história do cemitério de animais para fazer o seu filme. Mas para mim funcionou da mesma forma. Ambos me trouxeram reflexões sobre a vida e a superação da morte. Além, é claro, do fato de que em ambos os casos a pessoa que volta dos mortos começa a atacar os outros seres vivos.
Estou fazendo essa comparação entre a obra de Alice Furtado e a de Stephen King por causa da ideia de trazer alguém de volta à vida, mas existem diferenças, principalmente em “o que” se torna cada um dessas “criaturas”/pessoas que retornam ao mundo. No caso de “Sem seu sangue”, Arthur parece voltar como um zumbi, já que não só ataca as pessoas, como também as devora. No caso do livro do King não sabemos ao certo o que voltou.
Alice Furtado consegue fazer um filme de horror sobre um romance adolescente que termina como uma história de zumbis. Isso tudo sem perder as características de que é um filme essencialmente brasileiro. É mais um exemplo de como o nosso cinema é bom, belo e inventivo.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy no dia 08 de novembro de 2021.