Digo sempre que o gênero que melhor discute as questões sociais é o do horror. Talvez por lidar com anseios, traumas e medos, fique mais fácil de uma narrativa de terror dialogar com essas questões sociais que estão em voga durante um determinado momento da sociedade.
Assisti recentemente ao filme dirigido por Jennifer Reeder “Knives and Skin” que está disponível na plataforma de streaming da Mubi e o que mais me chamou a atenção foi essa frase que está no título do texto dessa coluna: é um filme orgulhosamente feminsta. Me despertou a curiosidade de saber o que seria esse filme e como ele utilizaria as linguagens do cinema de gênero para refletir e discutir sobre um tema tão importante como esse.
Antes de falar sobre o filme de Reeder queria comentar brevemente uma das cenas mais aterrorizantes do cinema nos últimos anos, a abertura de “O Homem Invisível”. Quero comentar sobre essa cena em particular pois a sensação que tive vendo a Elisabeth Moss fugindo do quarta foi a sensação que tive durante “Knives and Skin” durante o filme todo. Não sei se todos se lembram, mas já citei essa cena em uma coluna anterior. Moss está fugindo da mansão/prisão e ali não há nada de sobrenatural, o horror é real e seria melhor se ela estivesse enfrentando todos os monstros da Universal sozinha do que o que poderia acontecer com ela se Adrian acordasse. É uma cena de quase 5 minutos e demonstra um pouco desse horror que as mulheres acabam tendo que sobreviver.
Citei a cena inicial do “O Homem Invisível” pelo fato da cena inicial de “Knives and Skin” ser igualmente forte. Vemos Carolyn Harper (Raven Whitley) nitidamente desconfortável com as investidas de Andy. Ela tenta a todo momento sair daquela situação, se mostrando descontente com aquilo e ele sempre insistindo. Até chegar na hora em que ele se irrita e deixa ela lá sozinha durante a madrugada e sem os seus óculos. Ela não volta para a casa e vemos então a cidade inteira tendo que lidar com seu desaparecimento.
Enquanto vemos todos os jovens e a família de Carolyn lidando com os acontecimentos vemos toda a podridão de uma sociedade machista. Diretores e professores que se utilizam dos seus cargos e posições de poder para abusar e assediar as alunas. Os alunos que fazem parte do time de futebol americano que se empenham em fazer bullying e assediar as meninas e sempre tem o aval e respaldo do seu próprio clube social.
O sobrenatural está no paradeiro de Carolyn, que nas imagens em que vemos aparece constantemente mudando de lugar mesmo sem ter vida nenhuma. O horror já está ligado a situações mais reais. Desde assédio na escola até o relacionamento abusivo dentro de casa. Lidando diretamente com questões cruciais da sociedade contemporânea.
Senti uma enorme curiosidade quando estava lendo do que se tratava o filme e fiquei bem ansioso para saber se toda a minha expectativa por ele seria saciada. Foi. Um horror social da melhor qualidade possível.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy no dia 25 de outubro de 2021.