Depois de algum tempo estamos de volta com a série de entrevistas aqui no blog. Hoje converso com o crítico e professor Luiz Joaquim do site Cinema Escrito.
Luiz é um dos sócios fundadores da ABRACCINE e mantém o Cinema Escrito desde 2007. Desde 2016 o site abriga textos de diversos críticos importantes e que já passaram por aqui e deixaram contribuição sobre o ofício da crítica em suas entrevistas, como a Ivonete Pinto e o Marcelo Lyra.
O nosso diálogo aqui foi desde a história do Cinema Escrito e pode trazer diversas reflexões sobre a prática da crítica.
ENTREVISTA
Euller Felix: Você fundou o site Cinema Escrito em 2007, ele era um site apenas seu né? Agora ele tem uma colaboração de outros críticos também. Consegue dizer um pouco das suas motivações naquele momento e qual foi a motivação dessa mudança?
Luiz Joaquim: Em 2007 eu completava dez anos atuando como crítico, mas, para além da efeméride, a ideia de criar o site estava relacionada com uma necessidade pessoal em depositar, num local de fácil acesso, a minha produção crítica e jornalística, de modo que eu pudesse pesquisá-la com facilidade sempre que necessário. Um detalhe, a versão online da Folha de Pernambuco (onde eu trabalhava desde 2004), não tinha uma ferramenta de busca para edições anteriores. Daí você pode perguntar: Por que então não depositava seus textos numa nuvem? Bom, em 2007, essa prática não era tão habitual entre as pessoas próximas a mim, e eu, particularmente, não entendia muito sobre essa dinâmica. De qualquer forma, me pareceu inteligente que, já que meus textos eram públicos – via papel, pela Folha de Pernambuco -, por que não os tornar público digitalmente por um site? Havia também uma outra motivação. Jornais, comumente, editam nossos textos e eu queria poder ter a opção de ler minhas produções na íntegra, diferente daquela versão eventualmente reduzida pelo editor do caderno de cultura. Para levar adiante a ideia do site, um amigo, Rodrigo Dias, foi fundamental. Ele não apenas pensou na arquitetura do site, como bolou a logomarca e a identidade visual como um todo. Foi um trabalho sem remuneração, e o que eu queria era algo limpo e simples mesmo. De qualquer forma, o CinemaEscrito nasceu simples demais (visualmente falando). Era mais modesto que alguns blogs da época. Mas isso não me incomodava. O que eu queria era ter meu material – críticas, entrevistas, reportagens, etc. – salvaguardado. Ainda não consegui colocar lá tudo o que produzi de 2007 para trás, até 1997. Esse é um trabalho que faço de maneira muito lenta. As vezes com a ajuda de um estagiário.
Nos anos seguintes, o CinemaEscrito foi ganhando um espaço – muito discreto, é verdade – no ambiente cinematográfico brasileiro da internet. Acontece que as webpages evoluíram muito rápido e meu site envelheceu bastante em termos de navegabilidade. Para você ter uma ideia, eu não conseguia ter link de páginas específicas do site. O único link que era gerado era do home – www.cinemaescrito.com – Daí você imagina a dificuldade quando eu queria compartilhar algo específico.
Uma década depois, em 2016, resolvi investir pesado no site. Por que? Porque em janeiro daquele ano, pedi demissão na Folha de Pernambuco pois as mais recentes orientações editorais me incomodavam bastante. A crítica e as boas reportagens tinham que abrir espaço, cada vez mais, para a pauta do entretenimento barato. Saí.
Uma vez fora da maior vitrine de meu trabalho, decidi que estava na hora de repaginar o site – uma vez que ali passaria a ser o único local de escoamento da minha produção. Sendo assim, que fosse visualmente mais atraente.
Uma coisa era certa. Eu não ia parar de produzir críticas, entrevistas e reportagens sobre cinema. Ainda que não fosse mais remunerado por isso. Porque o prazer que vivencio fazendo esse trabalho, e em particular escrevendo críticas, é algo que me regozija de uma maneira única. Eu até pagaria, pra ter de escrever críticas. Na verdade, eu já pago (risos). O CinemaEscrito quase nunca me deu retorno financeiro. Nestes 14 anos de existência não devo ter resgatado nem 1% do que investi nele. Desde 2016, tenho custos mensais com ele, e, por dois anos, cheguei a ter estagiários remunerados.
Sobre hoje ter outros colaboradores, foi algo natural, muito em função das mudanças de 2016, para melhor (visualmente falando – pois o site sempre teve a mesma personalidade). Muito embora eu tenha publicado textos de colaboradores antes de 2016 – Kleber Mendonça Filho é um nome que me vem à mente -, foi a partir da repaginada que o CinemaEscrito chegou a novos leitores e, consequentemente, gerou o interesse pela participação de novos colaboradores.
Penso que a nova possibilidade de gerar um link para páginas específicas – a partir de 2016 – também ajudou na divulgação e difusão do site. Hoje (outubro de 2021), os relatórios mensais do CinemaEscrito me dizem que ele é mais lido em São Paulo, depois no Rio de Janeiro e só depois, em 3º lugar, aparecem os leitores do Recife. Há um bom número de leitores também nos EUA, França, Alemanha e Portugal.
Atualmente, tenho três nomes mais recorrentes colaborando – gratuitamente, vale dizer. A gaúcha Ivonete Pinto, os paulistas Humberto Pereira Silva e Marcelo Lyra, e o radicado no Ceará, Marcelo Ikeda. Todos são também professores de cinema, com livros publicados e profissionais que respeito profundamente. Não os procurei para colaborar, o movimento foi de lá para cá. Em outras palavras, o site os conquistou e os fez desejar ter seus textos ali publicados.
É verdade também que, o CinemaEscrito, pela robustez de seus mais de 4.000 textos, tornou-se um veículo interessante para esses colegas tentarem, por do site, o credenciamento em festivais nacionais e no exterior. No final das contas, fico feliz pelos colegas que conseguem credenciamento em festivais pelo CinemaEscrito e sou grato por o alimentarem com suas coberturas. Acho que todos saem ganhando, principalmente meus leitores.
Euller Felix: Uma das coisas que mais gosto no Cinema Escrito é o fato do site não se restringir aos filmes que estão sendo lançados comercialmente com um foco principal (ao que parece para mim como leitor) em festivais. É uma linha editorial sua e dos colaboradores ou é algo mais espontâneo?
Luiz Joaquim: Entre maio de 2007 e janeiro de 2017 os lançamentos comerciais semanais eram o carro-chefe (– incluindo aí muitas entrevistas com realizadores, coberturas de festivais e reportagens diversas -). E sabemos que é assim ainda hoje para boa parte dos sites de cinema. Era assim por conta de meu compromisso de cobrir o factual para o jornal. Com a minha saída da Folha de Pernambuco, decidi relaxar mais com o factual (mas sem esquecê-lo totalmente) e pensar em outras pautas, voltando a produção crítica também para outros objetos que me são valiosos. Me permitindo inclusive a escrever ainda mais artigos ou ensaios. A cobertura dos festivais é algo que não consigo me desvencilhar. Minha frequência diminuiu mais do que eu gostaria (cheguei a cobrir, in loco, 20 festivais espalhados pelo Brasil num período de 12 meses). Diminui em função de minhas novas atribuições profissionais na vida pós-redação de jornal. Em fevereiro de 2017 assumi a coordenação de um bacharelado em Cinema e Audiovisual numa universidade de Pernambuco, e neste 2021 assumi a coordenação de audiovisual da Prefeitura do Recife. Tudo isso limita. De modo que, se ainda alimenta o CinemaEscrito é por pura teimosia (riso).
Euller Felix: Você criou o site em 2007, o que você observa da produção de crítica de cinema que era feita na internet naquele momento e nos dias de hoje?
Luiz Joaquim: Pergunta para uma resposta gigante. Mas, tentando ser breve, me parece claro que a produção de análise fílmica decuplicou (ou mais) de lá pra cá. Só que não necessariamente em sua qualidade. Mas eu diria que a forma é o ponto a ser discutido aqui. Em outras palavras, a forma da comunicação sofreu transformações bárbaras de 2007 para 2021. E as redes sociais têm responsabilidade nisso, como sabemos. São novos leitores, e eles funcionam com novas formas de leitura. O que implica em outros critérios tanto de escrita quanto de leitura, diferentes daqueles de 2007, daqueles de 1997 e daí para trás. Um fato inegável é o crescente surgimento de influencer. Não digo ‘crítico’, embora pudesse usar essa palavra, mas me parece que a palavra influencer é mais coerente com o que alguns youtubers fazem em seus comentários cinematográficos. Há um cuidado em alimentar seus seguidores exatamente com aquilo que eles querem. E, ainda que, em algum dia, lhes tragam uma ‘comida’ diferente (por exemplo, falar de ‘First Cow’ ao invés de ‘Venon’) numa publicação de seu canal, o condimento será o mesmo. É claro que não devemos ser generalistas aqui, mas o grosso disso tudo, penso, funciona assim.
Euller Felix; Para você, qual é a função da crítica de cinema?
Luiz Joaquim: A pergunta “de um milhão de dólares”, como os gringos gostam de falar, não é?. Há aquela resposta clássica, e linda, de Bazin (se referindo aos críticos, na verdade): “A função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível na inteligência e na sensibilidade dos que o leem, o impacto da obra de arte”.
Já eu, recentemente, tenho pensado que a crítica salva quem a escreve e ajuda a quem a lê. Veja que sua função para quem a escreve é mais séria, de maior responsabilidade. E quando digo ‘salva’, me refiro a autorizar que o seu autor se permita retirar-se por um tempinho desse mundo impiedoso em que vivemos (como fazemos quando assistimos a um filme) para, mais uma vez, investigarmos a nós mesmos na medida que em criamos conexões avaliativas sobre o filme e sobre a vida em si, ou seja, algo que é muito maior que o próprio crítico. E assim vamos crescendo. Vamos evoluindo.
E quanto aos leitores, a crítica os ajuda conforme já disse, muito bem dito, o nosso colega Bazin (risos).
A foto desse post foi tirada por Osmário Marques