Talvez pela minha afinidade com o gênero de horror eu tenha, inconscientemente, a mania de encaixar filmes que me causem algumas sensações desconfortáveis dentro da “caixinha” de filmes de horror. Foi o que aconteceu com “Listen”, dirigido por Ana Rocha de Sousa e que está presente na 45° Mostra de Cinema de São Paulo. No entanto, não é meu propósito aqui defender que o filme de Ana Rocha de Sousa seja de horror, mas pensem, o que há de mais aterrorizante do que ver seus filhos sendo arrancados de casa e todas as tentativas de tentar reaver-los ou mesmo de se comunicar com eles sejam restritas ou quase impossíveis? Existe algum que se aproxime mais de um horror do que isso?
“Listen” é um filme português e dirigido por uma mulher, conta a história de uma família que está prestes a perder os filhos para sistema de adoção britânico. Não estou muito familiarizado com as leis por lá, mas parece que há uma série de complicações quando uma família estrangeira está passando por dificuldades financeiras e acaba caindo ou sendo denunciada para as autoridades inglesas. Depois de um acidente na escola de Lu (Maisie Sly) que é uma criança surda em um dia em que ela estava sem o seu aparelho por causa de um defeito coloca a família no radar do serviço social e isso acaba criando um perigo real de separação da família.
Se me pedissem para descrever esse filme em uma só palavra, essa palavra seria “sufocante”. Desde o começo do filme, passando pela cena em que vemos a mãe, Bela (Lucia Moniz) tendo que roubar alguns itens no supermercado enquanto seus filhos estão do lado de fora já ficamos com aquela sensação de ansiedade e sufocamento. E isso só aumenta com o decorrer da história. Toda a família enfrentando o sistema de adoção, as burocracias e o jogo de cartas marcadas, deixam qualquer um que vejam o filme pasmos e atônitos com tudo aquilo que está acontecendo.
São válidas as comparações desse filme de Ana Rocha de Sousa com o cinema de Ken Loach. Até certo ponto, na verdade. Loach é uma figura conhecida entre os críticos e cinéfilos do mundo todo, seus filmes tocam em questões politicas contemporâneas e desigualdade. Aqui podemos concordar que Rocha faz o mesmo caminho. Ela nos mostra através de um exemplo concreto, uma situação concreta: o perigo que mães e famílias de imigrantes tem que conviver naquele país de perder sua família do dia para a noite. Mas, precisamos também ressaltar a importância da assinatura da diretora portuguesa nesse filme. Ela conseguiu condensar toda a história de forma didática e sem perder a seriedade do assunto. Esse mérito é todo dela.
O fato de Lu ser uma criança surda deixa toda a situação ainda mais dramática e sufocante. As autoridades do serviço social exigem que ela fale apenas em inglês, não podendo se expressar na sua língua nativa. Lu não fala, apenas se comunica com linguagens de sinais, o serviço social vê isso como uma forma de código e sempre que ela tenta conversar com a sua mãe é impedida e as visitas são interrompidas. Essas cenas são de puro desespero e de horror. Vemos Bela e seu marido, Jota (Ruben Garcia), vendo seus filhos novamente sendo arrancados de seus braços.
Por ter lido a sinopse pouco antes de ver o filme já estava esperando que iria gostar do filme, mas o resultado foi surpreendente. De todos os filmes que assisti nessa edição da Mostra de São Paulo, esse sem duvida é o melhor. Estou ansioso para conhecer mais da filmografia dessa diretora.