Todos estamos ansiosos por “Titane”, o novo filme de Julia Ducournau, que foi vencedora da Palma de Ouro em Cannes deste ano. Enquanto ainda não temos acesso ao filme, podemos (re)assistir “Raw”, seu outro filme de horror que mistura drama familiar, crescimento pessoal, ritos de passagem e canibalismo.
A história do filme é bem simples, uma garota chega na universidade para dar início a sua vida acadêmica. Ela vem de uma tradição familiar relativamente controlada e rígida. Toda a família é vegetariana, ela e sua irmã vão para a faculdade para cursar veterinária ( o que é compreensível, já que alguns dos argumentos contra o consumo de carne é pelo cuidado e contra os maus tratos que os animais sofrem).
Não sei muito bem qual é a média de idades dos leitores desta coluna, mas provavelmente conhecem o ambiente acadêmico, seja por vivência própria ou de conhecidas, ou por algum outro meio. “Raw” se passa nesse local, a universidade. Algo muito comum tanto aqui quanto em outros países é a tradição dos trotes com os calouros, foi em um desses trotes que a personagem Justine (Garance Marillier) é obrigada a comer carne animal pela primeira vez. Depois disso tudo desanda, ela deixa de ser vegetariana e começa a desfrutar dos prazeres da carne, e não só animal.
Esse desfrute não é só na questão alimentar, mas também sexual. Justine chegou a universidade como uma garota virgem. Após tudo isso acontecer e ela perceber que há algo errado com suas atitudes e desejos, decide tentar se saciar com sexo com seu colega de quarto. O sexo é canibalesco, Justine não consegue esconder seus instintos de querer morder e mastigar seu parceiro, mas para que isso não aconteça ela mesmo se morde e come um pedaça da propria carne.
Já comentei aqui nessa coluna que o horror não precisa ser explicado e que precisa apenas fazer sentido, “Raw” é isso. Não sabemos o motivo da obsessão compulsiva em comer carne humana, sabemos apenas que é algo de família e que foi ativado quando ela provou carne pela primeira vez. No final – não vou dar spoiler – saberemos que não é apenas ela e que há mais segredos por trás de todas aquelas relações. O filme faz sentido, mas ainda assim nos deixa cheio de dúvidas.
A universidade, as descobertas, o sexo, o enrredo, a história, enfim, tudo nesse filme está relacionado a experiencia de se autoconhecimento e de crescimento pessoal. “Raw” é um filme de horror que explora caminhos e linguagens do gênero para falar sobre um período de desenvolvimento na vida das pessoas.
Não fui atrás de muitas informações sobre do que irá se tratar o novo filme de Ducournau, mas revistar “Raw” me deixou ainda mais ansioso por ele, isso eu posso dizer com certeza.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 26 de Julho de 2021.