Uma coisa me veio a cabeça assistindo ao filme angolano “Ar condicionado” dirigido por Fradique: o quanto nós – brasileiros – estamos perdidos quando o assunto é identificação cultural. Isso, evidentemente, é um assunto muito mais complexo do que consigo tratar nas linhas desse texto, mas acho que vale pensar um pouco sobre essas questões. As pessoas se identificam muito mais com as narrativas estadunidenses e europeias do que com nossos colegas aqui da América Latina e outros países que foram colonizados e estão mais próximos de nós. Isso tudo merece um estudo a parte, que iria desde a construção cultural – em termos de referencias e expoentes – até a formação do imaginário popular. Um dia quem sabe me empenho nisso.
Nesse mesmo caminho temos o exemplo dos “motoqueiros de Bacurau” que falavam com a boca cheia que eles eram parecidos com os americanos. Que louco né? Pensar que existem pessoas que se identificam mais com os estrangeiros do que com as pessoas que moram no próprio país. Interessante que não é apenas nos filmes, uma rápida passeada pelas redes sociais e encontramos muitas daquelas pessoas que ali foram representadas.
Agora vamos para o filme. “Ar Condicionado” conta uma história de um momento em que simplesmente todos os ar condicionados começam a cair. Literalmente. O ar condicionado está lá, preso ao prédio e simplesmente despenca lá de cima. A construção desses acontecimentos faz nos lembrar do clássico de George A. Romero “A Noite dos Mortos Vivos” de 1968, pelo fato de que nós sabemos o que está acontecendo no fora de campo (o resto do país) por intermédio das noticias que nos são passadas via rádio e TV. Alias, o filme já começa com isso, uma Zezinha (Filomena Manuel) em um transporte público e prestando atenção ao rádio que noticia esse estranho evento.
O personagem que acompanhamos é Matacedo (José Kiteculo) que trabalha fazendo alguns reparos no prédio e se vê na missão de levar o ar condicionado do patrão de Zezinha para consertar. Somos envolvidos em uma trama fantástica e quase psicodélica com essa história. Fantástica pois é um acontecimento fora do mundo real – e não temos nenhuma explicação sobre ele – e psicodélica pelos caminhos que Matacedo percorre.
Sabemos que os ar condicionados estão caindo, nos planos do filme vemos ao fundo os aparelhos e ficamos imersos espero que eles caiam. Quando as personagens andam na rua ficamos imaginando se algum deles serão atingidos por algum aparelho. É uma experiência fascinante. A musica do filme feita por Aline Frazão também ajuda nessa imersão proporcionada pelas escolhas de Fradique.
Acima de tudo é um filme sensível e sobre relações. É uma demonstração de como se fazer um filme fantástico utilizando apenas a imaginação e a subjetividade daqueles que assistem como ferramentas.
Por fim e para voltarmos ao assunto dos primeiros parágrafos, é muito reconhecível para nós, brasileiros, as relações sociais expostas ali no filme. Seja as relações sociais entre as pessoas nas ruas e apartamentos, como também nas relações de trabalho e de classe. É tudo muito mais reconhecível ali para nós do que em qualquer outro filme estadunidense.
Impecável 🤗