Fico bem feliz que nessa caminhada que eu estou trilhando na crítica de cinema eu tenha feito amizades e conhecido tanta gente que é, ao mesmo tempo, talentosa e querida. Pessoas que eu fico feliz por ter tido a oportunidade de conhecer. Uma dessas pessoas é o Renato Silveira, um dos críticos que mais gosto de acompanhar – seja escrevendo ou no podcast – e uma pessoa que é muito querida para mim.
Renato é editor do site Cinematório e tem um programa chamado Cinefonia na Radio Inconfidência. Recomendo fortemente que, caso você ainda não conheça, acesse os dois.
ENTREVISTA
Euller Felix: O Cinematório é um site que eu gosto bastante, você pode falar um pouco da construção e da história dele?
Renato Silveira: Euller, antes de mais nada, muito obrigado pelas palavras, pelo espaço e pelo convite. O Cinematório surgiu em 2003, na ascensão da era dos blogs e quando eu estava finalizando a graduação em Jornalismo. Foi pensado como um espaço para publicação de críticas e assim funcionou até 2008, paralelamente à minha atuação na redação do Cinema em Cena, onde eu pude trabalhar ao lado do Pablo Villaça – com quem aprendi muito, além de ter se tornado um grande amigo. Naquele ano, eu mudei de emprego ao ser aprovado em concurso da Rádio Inconfidência, então passei a conciliar o Cinematório com a rádio. Aos poucos, mudei o formato de blog para um site efetivamente, diversifiquei o conteúdo para incluir entrevistas, cobertura de festivais, artigos. Foi nessa época que fiz minhas primeiras experiências com vídeo e podcast também. Na época, eu chamei mais pessoas para participar e tivemos nossa primeira equipe, com o Guilherme Tomasi, a Mariana Deslandes e o Vitor Drumond. Em 2011, retornei ao Cinema em Cena e continuei na rádio. Devido à prioridade que precisei dar a ambos, o Cinematório acabou ficando em segundo plano até 2016, quando eu me despedi novamente do Cinema em Cena para iniciar minha preparação para o mestrado. A Kel Gomes, minha esposa, iniciava naquele período uma nova graduação, cursando Jornalismo. Então, com a ajuda dela, decidimos retomar o Cinematório com um novo podcast, além de continuar com as críticas na medida da nossa disponibilidade. Com o tempo nós dois nos readaptamos ao ritmo da academia e foi possível manter o site funcionando, com os podcasts servindo como base para realizarmos críticas, coberturas de festivais e entrevistas. Com o boom dos vídeos, começamos a produzir conteúdos nessa mídia também. Mas os podcasts continuam sendo o nosso carro-chefe.
Euller Felix: Você é crítico do Cinematório e têm um programa na Rádio Inconfidência, o “Cinefonia”, como você vê essa experiência de exercer a crítica em um site e em uma rádio?
Renato Silveira: Na rádio, o Cinefonia é um programa mais musical, com foco em trilhas sonoras de filmes brasileiros. Mas ele também tem quadros com notícias, entrevistas e críticas. Neste caso, pelo espaço mais curto, faço as críticas com textos corridos e com locução, em um formato mais tradicional. Tanto que a pauta é orientada pelos lançamentos, como na grande imprensa. Já no Cinematório, que é um veículo independente, o espaço para experimentar é maior. Com os podcasts, passamos a nos aprofundar no exercício da crítica através da oralidade e da construção coletiva, pois há a troca nos diálogos. Um excelente exemplo disso são os episódios que gravamos com a Ana Lúcia Andrade, que é professora de Cinema da Escola de Belas Artes da UFMG e sempre traz um ponto de vista que enriquece todas as conversas. Então, é muito interessante perceber o discurso crítico ser moldado durante as discussões e assumir formas que de início não esperávamos. Ao mesmo tempo, no site também publicamos críticas em texto. Damos preferência ao formato de ensaio, com mais liberdade para o tamanho e também para fazer reflexões que vão além da análise fílmica. Então, são duas experiências muito diferentes em cada veículo e, por isso, não são conflitantes.
Euller Felix: Qual é a função e como você vê a crítica de cinema nos dias de hoje?
Renato Silveira: Eu tenho uma certa dificuldade em ver uma função na crítica de cinema, porque ter função me parece ser algo mais apropriado para um serviço. O crítico não é um prestador de serviço, embora muita gente faça uso do nosso trabalho como guia de consumo para ter dicas de filmes. Isso é um problema histórico, mas me parece que as redes sociais distorceram ainda mais o papel da crítica por serem plataformas que foram apropriadas por oportunistas e dominadas pela publicidade. Por outro lado, essas mesmas redes sociais possibilitaram a amplificação dos debates e das descobertas. O bom uso delas já permitiu que vários bons críticos se tornassem conhecidos, algo que duas, três décadas atrás era inimaginável. Sem falar na diversidade de vozes, com mais mulheres, mais pessoas pretas. Ainda há muito o que melhorar nesse quesito, mas é provavelmente o maior ganho que a área teve nos últimos anos. Então, eu vejo que hoje estamos em um momento de assimilação dessas mudanças, com a crítica deixando de ser uma exclusividade de um perfil hegemônico de profissional e saindo da imprensa para assumir novos formatos, seja em texto, áudio ou vídeo. E para isso ela tem que ir muito além do “o que eu acho”. Crítica não é explicar, não é apontar referências, não é fazer cara de bobo no YouTube, não é ser presenteado ou convidado, não é ver filmes de graça. Quem procura isso na crítica está por fora. Retornando à pergunta inicial, acredito que, se a crítica tem uma função, continua sendo a de ser o lugar da reflexão e da análise, independentemente da mídia utilizada. E até mais que isso, eu entendo que a crítica deve possibilitar a descoberta – de uma nova interpretação, de um outro entendimento, além, claro, de novos filmes, novos cineastas. O único guia que o crítico deveria ser é esse que ajuda o público a ir a outros lugares a partir do que um filme apresenta.