Continuando as entrevistas e debates com críticos de cinema, converso com um dos membros fundadores da ABRACCINE, Celso Sabadin.
Celso é crítico de cinema do site Planeta Tela e já escreveu livros como “A História do Cinema para quem tem pressa” e “Vocês ainda não ouviram nada“, esse último trata de uma história do cinema mudo.
Como sempre vem acontecendo, as respostas do entrevistado é muita rica em informações e questionamentos sobre a história do cinema e da crítica, como também na concepção do que é a tarefa e a função de um crítico.
ENTREVISTA
Euller Felix: Você é um dos fundadores da ABRACCINE, certo? Pode contar pra gente o contexto da fundação e qual a importância que você vê nela naquele período e hoje em dia?
Celso Sabadin:A Abraccine foi fundada em 2011, mas já há alguns anos antes disso, muitos de nós, críticos, já estávamos conversando sobre a necessidade desta Associação. Tal necessidade começou a surgir mais fortemente por dois motivos. Primeiro, para sistematizar e qualificar o processo de escolha do chamado “Prêmio da Crítica” em vários festivais brasileiros. Era muito comum, antes de 2011, que o chamado “Prêmio da Crítica”, em festivais, fossem escolhidos em reuniões informais com todos os jornalistas de cinema presentes nos eventos, fossem eles críticos ou não. E era mais uma “pesquisa” que propriamente uma “escolha consciente”. Não havia debates, trocas de informações, etc. O filme mais votado ganhava e pronto, algo muito superficial. A gente falava, brincando, que qualquer um que estivesse passando pelo corredor na hora da votação podia votar.
O segundo motivo foi uma necessidade de se definir, afinal, o que seria realmente um “crítico de cinema”. Quem poderia se auto-proclamar crítico de cinema? Quais seriam os critérios?
Estes questionamentos começaram a preocupar os críticos mais intensamente depois que as chamadas cabines de imprensa começaram a ser invadidas pelo auxiliar do primo do vizinho do office boy que servia cafezinho para o assistente de reportagem do carinha que tinha uma página de cinema no Facebook. Na virada do século, as cabines dos filmes mais comerciais se transformaram numa baita bagunça, repleta de pessoas que nunca haviam escrito uma crítica na vida e que se diziam críticos de cinema. As assessorias de imprensa acabaram se perdendo diante da quantidade de pessoas que se cadastravam para as cabines, mas que não tinham qualificação para tal.
Lembro-me, por exemplo, de uma cabine de Harry Potter que estava tão lotada e bagunçada que a revista Veja não conseguiu entrar. Foi uma zona!
Foi nesta época em que os críticos (os que de fato eram críticos) começaram a se reunir, em festivais, para conversar sobre a Associação com mais seriedade. Todas estas conversas demoraram um pouco para serem desenvolvidas, pois a gente só se encontrava em festivais e – claro – ninguém tinha tempo suficiente para se dedicar totalmente à fundação da Associação. Por isso a Associação só se efetivou em 2011. Mas antes tarde do que nunca, né?
Nestes 10 anos, a importância da Abraccine cresceu exponencialmente. Não somente porque conseguimos estabelecer vários critérios para a qualificação da profissão, conseguimos também estabelecer padrões de qualidade para os Prêmios da Crítica (muitas vezes chamado de Prêmio Abraccine, dependendo do evento), mas também – e eu diria principalmente – porque a Abraccine se configurou também como produtora de conteúdo, editando livros, produzindo palestras, cursos (agora, lives), sessões especiais, etc.
Tenho um baita orgulho de participar dela.
Euller Felix: Você escreveu livros sobre cinema e um deles foi o “A História do Cinema para quem tem pressa”, como foi condensar a história do cinema? O que você privilegiou de citar de obras e autores? Creio ter sido um desafio e tanto.
Celso Sabadin: Sim, foi um desafio bem interessante e eu diria até divertido, pois exercita nosso poder de síntese. Eu comparo escrever este livro a planejar uma grande festa onde não haverá lugar para todos. Quem será convidado? Quem ficará de fora? Como não cometer grandes injustiças? Resumir em algumas páginas a história da arte mais representativa do século 20 – considerada a sétima, uma indústria nascida junto com o século 20 e que vive agora, no século 21, uma de suas maiores revoluções – é, antes de tudo, um exercício de síntese. Síntese, aliás, que se configura numa das características mais particulares do próprio cinema, esta linguagem mágica capaz de condensar algumas das maiores histórias da Humanidade em pouco menos de duas horas de imagens e sons.
O que eu fez foi privilegiar o processo histórico, o mecanismo de causas, efeitos, agentes e consequências que movem os ciclos dos acontecimentos. Sempre no sentido de conduzir o leitor não apenas a um apanhado de datas, nomes e fatos (seria impossível falar das mais importantes) mas sim à compreensão de como a arte e a indústria cinematográficas se desenvolveram em sua História.
Tudo está interligado nesse processo onde nada acontece por acaso. Se grandes correntes estéticas do cinema nasceram e morreram, se importantes mercados audiovisuais se solidificaram, se enfraqueceram e até ruíram, se cinematografias as mais diversas foram construídas e destruídas com a ação do tempo, tudo acontece dentro da lógica – nem sempre muito lógica – das alterações sociais e culturais empreendidas pelo elo ao mesmo tempo mais frágil e mais atuante da história: a Humanidade e suas imprevisíveis suscetibilidades.
Preferi abordar as grandes tendências, as grandes escolas cinematográficas, os grandes movimentos, os países que se destacaram na construção e nos desdobramentos da chamada Sétima Arte, os momentos decisivos de cada período que ajudaram a construir a História do Cinema.
Euller Felix: Qual você acha que é a função da crítica de cinema e como você vê a crítica nos dias de hoje?
Celso Sabadin:Na minha maneira de pensar, a principal função da crítica de cinema é provocar o pensamento cinematográfico. Muita gente acredita que a crítica seja um “indicador”, tipo “veja isso, não veja aquilo”. Não é como eu penso. O bom crítico, pra mim, é aquele que discute, abre novos caminhos, aponta possibilidades, provoca, conversa sobre as várias facetas de um filme, informa, instiga.
Sobre a crítica nos dias de hoje, eu diria que, assim como ascensoristas, consertadores de máquinas de escrever e professores de caligrafia, o crítico de cinema hoje também é uma profissão em extinção. É praticamente impossível, no mercado brasileiro atual, um profissional garantir sua sobrevivência sendo crítico de cinema: o jornalismo atual remunera muito pouco – ou nada – por ideias e pensamentos. O crítico de cinema, no Brasil, necessariamente precisa ter outras atividades remuneradas, para poder sobreviver. Meus colegas, além de críticos de cinema, são jornalistas em outras funções, curadores de mostras e festivais, assessores de imprensa, pesquisadores, professores, etc.
É conveniente não confundir o crítico de cinema com o jornalista especializado em cinema. Há um espaço para os jornalistas especializados em cinema – que até podem ser críticos também – mas que desenvolvem um trabalho diferente da crítica, qual seja, reportagens, entrevistas, coberturas de eventos e festivais, cobertura do mercado audiovisual, mediação de debates (e, agora, de “lives”), e assim por diante. É um trabalho ligado ao Jornalismo Cultural que – pelo menos para mim – é extremamente prazeroso. O único “perigo”, digamos assim, é o jornalista especializado em cinema cair na vala comum da cobertura de “celebridades”. E isso acontece muito. Se o vestido da atriz no tapete vermelho começa a ser mais importante que o filme estrelado por esta própria atriz, algo de errado está acontecendo nesta cobertura… rs..
Mas que é uma delícia ser crítico de cinema, isso é.