A década de 1980 foi um período de ouro para as adaptações das obras de Stephen King. A década já se abre com “O Iluminando”, filme que não agrada em nada King. Em 1983 temos “Christine, o Carro Assassino”, em 1986 ele dirigiu “Comboio do Terror”, um filme divertido sobre máquinas que se revoltam contra os seres humanos. Temos o clássico “O Cemitério Maldito” de Mary Lambert e, por fim, temos a nossa pauta de hoje: “Cujo” de 1983 e dirigido por Lewis Teague.
A história do filme é basicamente a mesma do livro, com a diferença que no livro tem uma abordagem um pouco mais sobrenatural e de interligação com o universo de outros livros de King. Aqui vemos uma mãe que está com o casamento em crise e acaba ficando presa em seu carro junto com seu filho pequeno. O que os impede de sair? Um São Bernardo raivoso que ameaça todos e tudo que se mexa do lado de fora. O suspense e o horror se intensificam ainda mais pela condição de saúde da criança, que tem problemas respiratórios.
Talvez seja o momento em que revejo o filme, mas conseguimos relacionar com o momento em que estamos vivendo. Afinal, o único lugar seguro dentro daquele mundo é ficar isolado – no nosso caso é em casa, no deles é dentro do carro. O inimigo mortal é algo que bate ferozmente a sua porta – no nosso caso o vírus e a morte, no deles um cachorro gigante que contraiu raiva. Claro, estou forçando uma interpretação com base nas vivências da sociedade de hoje. Mas, ao mesmo tempo que dizemos que um filme, um autor, ou qualquer outra pessoa é fruto de seu tempo, nós, enquanto espectadores e receptores dessas obras também somos indivíduos do nosso tempo. Não podemos descolar a nossa vivência social e política das interpretações que fazemos.
Além dessa questão relacionada à crise de saúde que estamos vivendo, podemos relacionar também as questões de violência de gênero que o filme apresenta. Donna está sendo perseguida por um homem que teve uma relação com ela, esse homem invade e destrói a sua casa como uma retaliação do fim do caso deles. Para Donna o perigo não é só o Cujo raivoso que está lá fora. Assim como hoje em dia para muitas mulheres o medo muitas vezes não é apenas o do vírus que está lá fora, cabe lembrar nesse sentido o dado que diz que a violência doméstica dobrou durante o período da pandemia.
Como eu disse, posso estar forçando uma interpretação, mas quando um filme é produzido ele responde às questões da sua época e quando nós assistimos buscamos responder questões da nossa. Quando escrevemos sobre um filme buscamos dialogar com a obra, com o momento histórico em que ele foi feito e, não menos importante, com o nosso momento histórico. O cinema sempre tem algo a nos dizer, independente de quando o filme tenha sido feito.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 14 de Junho de 2021