Conheci a Beatriz Saldanha no mesmo caminho que o Marcelo Miranda, pela similaridade das nossas pesquisas e trabalhos relacionados ao cinema de horror. Ela também faz parte, como autora, do livro “O Melhor do Terror dos anos 80” lançado pela Editora Skript, do qual fui um dos organizadores junto com a Jéssica Reinaldo e o Rodolfo Stancki.
A Beatriz não se vê mais como crítica e sinm como uma pesquisadora independente, ou seja, não ligada a academia. Além, é claro, de ser uma cineasta. Achei interessante fazer essa entrevista, já que considero comum essa passagem da crítica para a realização.
Além de ter um segmento na “Antologia da Pandemia”, filme que reúne vários curtas realizados durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19, a Beatriz Saldanha também é curadora e participa de diversos júris de festivais. Você pode conhecer mais o trabalho dela nesse link aqui.
ENTREVISTA
Euller Felix: Na nossa conversa você havia me dito que não se vê tanto mais como uma crítica, mas sim como uma pesquisadora independente, e claro, agora tem sua produção como uma cineasta. Você poderia nos dizer um pouco como foi essa trajetória?
Beatriz Saldanha: Minha trajetória nunca foi muito planejada, eu sinto como se o cinema tivesse me abduzido desde a infância e as coisas simplesmente foram acontecendo. Sempre fui uma cinéfila voraz, ver filmes era a única coisa que importava para mim. Ainda na adolescência, comecei instintivamente a escrever sobre os filmes que via e acabei virando uma referência para as pessoas ao meu redor. Isso foi no começo dos anos 2000, quando os blogs eram muito populares, então logo iniciei um blog de cinema. Pouco tempo depois, em uma edição do festival Cine Ceará, conheci uma turma que estava iniciando um site (hoje em dia um dos portais de cinema mais populares do país) e comecei a colaborar com eles como redatora, depois como editora. Nessa época, consegui alguns trabalhos escrevendo para revistas, mas foi justo naquele fatídico momento em que eu precisava definir uma faculdade. Se havia faculdade de cinema na minha cidade era em universidade privada, e eu sequer cogitei tentar porque minha família não teria meios para bancar uma faculdade em tempo integral. Então, por gostar muito de idiomas, acabei optando pela minha segunda alternativa de curso: Letras (Francês), na Universidade Federal do Ceará. Lá, acabei conseguindo desenvolver alguns projetos relacionados a cinema, como dois cineclubes e uma pesquisa sobre os contos de fada na literatura e nos filmes. Logo que terminei a graduação, casei, mudei para São Paulo e um pouco depois consegui bolsa para fazer um mestrado em Comunicação Audiovisual na Universidade Anhembi Morumbi. A essa altura, eu já conhecia bastante gente no meio da crítica, e alternava o meu tempo entre a pesquisa acadêmica e a atividade crítica, como cobertura de festivais e mostras, redação de artigos para livros e catálogos, júris e curadorias. Eu acabei desenvolvendo uma ansiedade severa no mestrado e por isso decidi que me afastaria da vida acadêmica pelo menos por algum tempo. Ainda assim, adoro a atividade da pesquisa, por isso me considero hoje uma pesquisadora independente. Enfim, talvez pela impossibilidade de cursar cinema naquela fase tão decisiva da minha vida, eu nunca havia levado adiante a ideia de fazer meus próprios filmes, foi algo que morreu antes mesmo de começar a existir, ainda que houvesse uma vontade latente de criar minhas próprias narrativas. Em 2019, eu ganhei de um festival que estava acompanhando um passe para fazer um laboratório de roteiro, o que me animou a desenvolver uma ideia de argumento que eu tinha. Coincidentemente (ou não), na mesma semana um colega decidiu me convidar para dirigir o segmento de uma antologia que ele estava produzindo. Eu reagi com incredulidade, afinal, jamais havia pisado em um set de filmagem na vida, mas resolvi aceitar. A partir daí, uma chavinha virou na minha cabeça e minhas prioridades se voltaram a estudar a prática de cinema, então veio a pandemia. Para não ficar parada durante o isolamento, fiz dois curtas caseiros que tiveram boa repercussão, e continuo aguardando o momento em que poderei entrar em um set e dirigir uma equipe para valer.
Euller Felix: O caminho de crítico para realizador é um tanto quanto comum, certo? Quais são as influências que isso têm na vida do cineasta? O que essa sua experiência como crítica te ajudou na hora de produzir os seus filmes?
Beatriz Saldanha: A crítica e a realização de cinema são universos completamente distintos. Eu acredito que a crítica em si não foi um grande fator a meu favor, mas o contrário, sim, depois que eu comecei a estudar a prática de cinema eu comecei a ver os filmes de uma maneira completamente diferente. Passei a refletir melhor sobre as escolhas de direção, a sentir melhor o ritmo da montagem, questões relativas ao roteiro, à atuação… abriu os meus olhos de uma maneira surpreendente. Já a cinefilia, a formação de repertório, sem dúvida me ajudou a ter uma visão mais abrangente no que diz respeito à realização. Geralmente, quando estou escrevendo as cenas, elas já vêm decupadas na minha cabeça. O tipo de ângulo, posição e movimentos de câmera, o estilo de iluminação… é como se eu visse o filme pronto e montado. E isso é uma espécie de mosaico de referências de filmes que eu vi no decorrer da minha formação. Claro, depois eu preciso pegar essas referências visuais imediatas e aprimorá-las, como todas as ideias que surgem na concepção de um filme, mas acredito que ter esses insights facilita bastante o processo.