O filme que abriu a décima primeira edição do Cinefantasy foi o documentário “Horror Noire” que fala sobre a representação negra dentro do cinema de horror. Essa é uma obra que estamos esperando por aqui faz um bom tempo. A Shudder, que é a produtora responsável pela distribuição, não está presente no território brasileiro. A editora Darkside também lançou o livro homônimo que deu origem ao documentário e que foi escrito pela autora Robin R. Means Coleman. Por tudo isso a ansiedade de assistir a esse documentário era bem grande.
Em relação ao livro, digo sem medo que é uma leitura indispensável para aqueles que querem estudar e pensar o cinema. Não só em relação a sua história, mas também em relação ao que ele é e pode representar. Só para dar um gostinho aos leitores, o livro é basicamente uma releitura da história do cinema colocando devidamente como protagonistas os cineastas e atores negros. Algo que constantemente é apagado dos livros sobre a história do cinema – aliás, a exclusão e o sumário apagamento de figuras importantes do cinema também aconteceu com as mulheres, como é o caso da Alice Guy Blache e que foi demonstrado no documentário “A História não contada da primeira cineasta do mundo”.
Além disso, tanto o documentário quanto o livro trazem novas leituras importantes para obras já consagradas dentro do cinema. Esse é o caso do filme “Nascimento de uma Nação” de D.W Griffith que coloca os negros como pessoas agressivas e preguiçosas enquanto os membros da Ku Klux Klan como salvadores.
Muitos podem não considerar o filme de Griffith como horror, mas é aí que entra a questão da subjetividade do gênero. Como dizer que um filme que mostra linchamentos e assassinatos de pessoas negras, supremacistas brancos como heróis não é um filme de horror?
Tanto o livro quando o filme também colocam em debate a questão de como é representado tudo que vem da cultura africana, como é o caso do Voodoo. Sempre colocado de forma pejorativa e de onde se origina o mal. É o caso de um dos primeiros filmes de zumbi da história, “Zumbi Branco” de 1932 de Victor Hugo Halperin.
A obra fala também sobre como é construído no imaginário das pessoas que tudo aquilo que é oposto ao homem branco é necessariamente ruim. Principalmente quando há uma discussão sobre filmes de ficção científica, onde por um lado os personagens identificados como humanos são brancos, enquanto os alienígenas que buscam a dominação da terra ou qualquer outro mal não. O inimigo do personagem branco nunca é branco.
O documentário também faz análises de filmes de horror durante as décadas, focando na participação de pessoas negras nesses filmes, estudando e apontando quais foram os papéis que eram normalmente atribuídos para eles.
Passa pelos primeiros anos do cinema, pelo blaxploitation, pelo importante “A Noite dos Mortos Vivos”, por “Candyman” e chega até o premiado e importante “Corra!” de Jordan Peele. Em resumo, é um documentário que abrange e repara um buraco enorme de informações não passadas durante os anos sobre a história do cinema.
Não posso terminar esse texto sem repetir algo que falo constantemente desde que li pela primeira vez o livro: ele é necessário para demonstrar que a história do cinema não foi feita apenas por homens velhos e brancos. É um livro e um documentário obrigatório.
Texto originalmente publicado na coluna Mundo Fantástico na página do Cinefantasy em 19 de Abril de 2021.