As relações de trabalho mudam de tempos em tempos. Sempre em evolução – digo isso no sentido de estar sempre se metamorfoseando e se adequando às questões atuais das relações e não no sentido positivo da palavra – e sempre buscando estar em dia com todas as mudanças significativas que acontecem na sociedade. O que hoje em dia muitas pessoas vem fazendo nas redes sociais é um trabalho. Produzir conteúdo diariamente, publicar nas redes sociais – sim, até aqueles perfis de Instagram que só tem fotos de selfies -, fazer dancinhas, ou seja lá o que estiver na moda daqui a alguns meses, é um tipo de trabalho. Não há e nem pode haver ninguém que possa duvidar disso.
Um “meme” que muitas pessoas dizem fazer quando estão trabalhando é ir ao banheiro chorar pelas coisas que acontecem no seu ambiente de trabalho. Pensemos: qual o motivo disso? Temos que nos afastar de tudo para expressar nossos sentimentos? Se sentir mal com alguma parte da vida ou o simples ato de chorar é uma coisa vergonhosa? É esse ponto que mais me cativou no filme “Sweat”, dirigido por Magnus von Horn. Um dia a influencer e personal Sylwia (Magdalena Kolesnik) grava um storie para o Instagram onde fala da sua vida pessoal, dizendo que não está feliz e que sente falta de ter alguém do seu lado para apoia-la. O simples fato dela expor esses seus sentimentos gera uma sensação ruim entra ela e seus patrocinadores. As marcas não querem estar atreladas aquele tipo de conteúdo. Isso é basicamente dizer que as marcar não só não ligam para os sentimentos de Sylwia, comi também não querem estar atreladas a nenhum tipo de sentimento humano. O que querem é aquela personagem do Instagram, que tá sempre bem e está sempre feliz para abrir os seus recebidos. Se não for isso, se não for essa máquina sem sentimentos e que posta conteúdos diariamente, elas não querem você. Entre a Silwia que não pode demonstrar seus sentimentos nas suas próprias redes sociais e a pessoa que trabalha em um ambiente fechado e precisa ir no banheiro chorar por não aguentar o estresse do dia a dia, onde está a diferença?
Essa desumanização da pessoa através da internet fica maior ainda no decorrer do filme. Sylwia não tem relações humanas com nenhuma outra pessoa, na verdade, ela só tem uma relação de carinho em todo filme, que é com o seu cachorro, Jackson. De resto nada, apenas relações comerciais e aparentemente superficiais. Quando ela encontra uma fã que a chama para tomar um café e ambas trocam confidências, quando Sylwia se humaniza e conta o que realmente estava sentindo, o quanto estava perdida naquela personagem da rede social e que estava quase desistindo de tudo, a sua seguidora parece perder o interesse, não sabe o que fazer, não reconhece mais a pessoa que ela tanto admira e vai embora, deixando-a novamente sozinha.
Todo filme é atual. Não podemos nos teletransportar para o ano em que ele foi concebido. Quando alguém diz que uma obra, um autor ou seja lá o que for é produto da sua época, é uma afirmação correta. No entanto, nós que estamos assistindo também somos produtos de nossa época, colocamos os sentidos atuais e pensamentos dos dias de hoje nas imagens que estamos vendo, mesmo que elas sejam lá do início do século. “Sweat” é um filme que retrata duas coisas importantíssimas dos últimos anos: as relações de trabalho que estão mudando e se adequando as novas tecnologias, e; as relações sociais que vem dessas tecnologias e desses novos trabalhos. Que tipo de relacionamentos estão por vir?
A cena final é quase catártica. Senti como se Sylwia olhasse todos os seus seguidores e patrocinadores e dissesse “sou humana, não uma máquina, tenho sentimentos e não é justo vocês não aceitarem isso”. Esse foi o intuito dos realizadores? Provavelmente não. Mas como o final é aberto gostei de pensar assim.
O filme está disponível na plataforma de streaming Mubi e ao final você ainda consegue ver uma entrevista com o diretor e com a atriz principal. É uma experiência interessante para entender como foi a concepção da história e o que motivou tudo aquilo que acabamos de ver. Assim como recomendei que vissem a entrevista com Kelly Reichardt no final da exibição de “First Cow”, recomendo muito que vejam essa aqui também.