Acredito que uma das palavras que eu mais estou utilizando nos últimos dias é “referência”. Estou falando muito sobre isso pois além de gostar de consumir muitos textos críticos, sempre pego um ou outro estilo e em absolutamente TODOS os textos que leio eu aprendo alguma coisa.
Nos meus estudos e leituras uma recorrência é a Revista Cinética. Os textos todos, para mim, são os que mais trazem uma reflexão sobre a (ou as) obras. É, de longe, os textos que mais busco consultar.
Fico muito feliz de hoje entrevistar um dos atuais editores da Revista, Juliano Gomes. A entrevista é longa, mas com diversos pontos que são bem interessantes de serem pensados por quem quer exercer a crítica nos dias de hoje.
Além desses ótimos questionamentos levantados aqui, Juliano também comenta sobre os cursos que a revista vai propor. Em tempos como os nossos, ter uma revista com tanta qualidade propondo cursos é uma ótima oportunidade de estudo. Acesse aqui para mais informações.
ENTREVISTA
Euller Felix: A Revista Cinética é uma referência para muitos críticos – me incluo nessa afirmação – sei que ela é meio que uma continuação da Contracampo, você pode falar um pouco sobre como ela começou?
Juliano Gomes: Primeiro vou deixar um link, tá? Que é a conversa entre os editores da Contracampo e da Cinética, bem no início. Eduardo Valente, Ruy Gardnier e Luis Carlos Oliveira Junior.
http://www.revistacinetica.com.br/entcontracampo1.htm
Então, em linhas gerais, acho que o desejo da Cinética, em relação ao que se tornou a Contracampo na época, era de ser uma revista mais dinâmica, mais em contato direto com as coisas em movimento, com textos mais curtos, formatos mais variados. Enfim, a Cinética fez 15 anos esse ano. Passamos por várias fases. Inclusive, o que a gente tem mesmo, como patrimônio, são esses 15 anos de arquivo. E acho que esse espírito, curiosamente, se mantém.
Mas sem dúvida ela é uma extensão do projeto da Contra, no sentido de encontrar um espaço de expressão que se diferenciasse tanto da voz acadêmica quanto do jornalismo cultural meio guia de consumo resenhista, sabe? O projeto era encontrar isso. E eu diria que até hoje é esse. Mas isso foi gestado nos anos 90, onde havia jornal impresso no cotidiano das pessoas, mal havia internet. Então, o contexto mudou muito. E a própria Contra tira isso de uma leitura particular do legado da Cahiers, misturando a Jairo ferreira, Torquato Neto, e talvez menos Paulo Emílio do que seria interessante.
A universidade se estabeleceu como um refúgio pra quem quer continuar pensando cinema. Hoje isso é uma questão mais forte que na década passada? Quem vai trabalhar em jornal? Isso praticamente não existe. Você gosta de escrever, pensar, você vai fazer o quê? Youtuber ou acadêmico. Nós não pagamos as pessoas. Isso é um limite bastante relevante e que influencia no exercício da atividade. Então, hoje, na revista, boa parte tem vínculo com a universidade, ou teve, entende? Essa é uma realidade.
Nosso desafio da editoria agora – ao lado da Ingá e do Victor – é encontrar maneiras de cultivar esse espírito, dessa voz, mas em um contexto bem diferente.
Nesses 15 anos da Cinética, muitas revistas nasceram e morreram. O que é uma pena. Nosso desejo é sempre que haja um ambiente de revistas, que dialogue e se diferencie entre si. É claro que hoje existem várias, muito mais inclusive, mas é mais pulverizado e “nichado”. Penso em um conjunto de revistas com projeto mais ou menos comum. Hoje vejo mais ou menos perto, em termos editoriais a Multiplot, a Zagaia tá num hiato, né? Numa outra margem de contato, a Verberenas, enfim, há algumas, há iniciativas individuais também. Inclusive, tenho vontade que as publicações conversem mais. Tenho esse desejo mas não sei bem como botar em prática.
Viajei um pouco aqui na resposta, mas tô tentando desenhar onde, hoje, esse espírito que é bastante gestado pela Contracampo, se mantém.
Acho que a diferença principal da Cinética é esse desejo de se manter em movimento, de acompanhar as coisas, se sujar, sabe? De manter uma postura crítica, claro, mas de saber não se fincar com muita força, saber ir junto, buscar onde está o diálogo, onde estão as zonas de intervenção, buscar saber onde arriscar, onde está o jogo possível, a arrebentação, sabe? Isso nos interessa, mais do que tudo.
Isso dito, cabe lembrar, de novo, que a revista é um projeto voluntário. Não rola grana. Então, o que a gente consegue realizar é bem menos do que o que a gente tem vontade. Muito menos.
Agora, por exemplo, estamos lançando uma plataforma de cursos. Estamos curiosos pra ver como isso vai andar. Estamos empolgados. Temos planos. Falo isso não só pela propaganda, mas porque tem a ver com essa disposição para o movimento. Isso nos parece ser um dos eixos essenciais do que entendo que é a crítica, sabe? É uma questão super complexa. Hoje vejo, mais ou menos duas tendências nesse campo. Uma cujo risco é um presentismo, um adanismo exacerbado, meio ahistórico, que acha que só o contemporâneo existe e que acaba produzindo um negacionismo soft (porque o passado é sempre complicado de revisitar, exige mexer nos nossos pressupostos), meio auto heróico. E do outro lado, uma postura meio passadista no sentido de que muito fiada a uma tradição cinefílica muito repisada, muito do hemisfério norte, que nos oferece coisas incríveis, mas sendo objeto de apego ela perde o principal, a política. De certa forma, são dois reflexos de processos de colonização. Um da universidade americana, principalmente dos gender studies, race studies e dos departamentos de cinema. E o outro europeu, da cinefilia cosmopolita histórica. Enfim, nós na Cinética, hoje, tentamos não estar em nenhum dos dois lugares completamente. A ideia seria fazer contraponto às duas tendências. A ideia, né? Achamos que essa confusão pode ser produtiva, e nós somos uma revista no Brasil, né?
Euller Felix: Você hoje é um dos editores da Revista Cinética e já conversamos que hoje quem procura os textos do site já sabem o que vão encontrar, você acredita que há um perfil de leitores da revista? Qual?
Juliano Gomes: Olha, nós não focamos muito nisso, sabe? Inclusive, eu diria que hoje, nos interessa o contrário. Que a leitora não saiba o que encontrar. Que saiba nossa disposição pra fazer outras coisas, sabe? A gente oferece nossa postura e não exatamente um modo. Estamos buscando desfazer essa impressão. Mas pra isso é necessário mais tempo.
E a Cinética como “modelo de negócios” que tem público-alvo e tal, não é muito… eficiente. Nós temos um número legal de acessos na página. Inclusive entendemos o que dá mais acesos e o que dá menos, mas nós mantemos nossa política editorial baseada no que achamos importante, sabe? Se for pra postar um texto de 10 páginas sobre um filme que ninguém viu, e nós acharmos importante, postamos. Se for pra publicar sobre o filme mais falado da corporação de streaming mais bombada, podemos publicar também. Não tem isso. Isso é algo que vem da Contra também, sabe? Essa coisa de não “obedecer” a seu público.
Hoje, a força que torna tudo publicidade é ainda mais intensa. Tentamos resistir a isso, mantendo nosso contorno ético claro pra nós, sabe? A gente poderia ter um papo assim mais “coach”, entende? Fazer o papai de quem lê, mas não é a nossa. Não nos interessa. Não somos exatamente facilitadores, sabe? Às vezes, temos que ser dificultadoras. Não por vaidade, de jeito nenhum, mas as coisas são complexas mesmo, e é preciso percorrer isso pra incentivar a emancipação. Muitas vezes, o serviço da crítica é dizer: opa, peraí, isso é mais complexo do que parece. Um filme é muito complexo, pô. Muitas coisas acontecem num filme, ao mesmo tempo. É preciso respeitar isso. E há ainda o redor do filme e tudo que está ligado a ele…
Mas, assim, tentando responder mais diretamente, sempre tentamos manter por perto um público universitário, gente de faculdades de cinema… Hoje, me parece que esse público lê menos, vê mais vídeo e tal, e talvez, em comparação com 10 anos atrás, vê menos filme, vê menos longa… A atenção é histórica, né? Cada época produz um registro de atenção nas pessoas. Não acho isso nem ruim nem bom, mas tá mudando. Tá em disputa. Todo o capitalismo da informação atual, é uma disputa pelo olho. Nesse sentido ressignifica o corte do olho no Cão Andaluz, né? Mas a Google, o Facebook, eles querem nosso tempo de olho. A Cinética entra, muito humildemente, nessa disputa pelo olho. Mas no nosso caso, não é a qualquer custo. O que oferecemos é nossa mediação editorial e nosso corpo de colaboração. Os textos na revista passam por um razoável trabalho editorial, sabe? É importante pra gente dialogar com quem escreve, propor alterações, versões, porque no fundo, é isso que a gente oferece pra quem lê? O mesmo que fazemos com os filmes, tentamos fazer com os textos: buscar o que só aquela voz pode oferecer. Mas, enfim, tem algo de mistério nisso, em quem lê. Pensamos na juventude dos cursos de cinema, mas muitas vezes aparecem reações de outros cantos. Viva a bagunça.
E nós também desejamos muito a interlocução com cineastas daqui do nosso país, sabe? Essa é uma opção editorial. Tentar responder, o quanto for possível, aos nossos pares, às artistas, sabe? Porque no fundo estamos mais próximos do que afastados. E nós estamos produzindo registro, pro futuro, sabe? Nosso trabalho é uma espécie de literatura de preservação, sabe? E isso é até maior que o juízo (apesar de que acho que ele é importante, tomar posição). Nós estamos no Brasil. Aqui tudo desaparece. Olha a Cinemateca Brasileira, entende? Então, nós pensamos nisso: diante das labaredas, queremos salvar o quê? Que filmes, que ideias? A primeira resposta óbvia é: o cinema brasileiro. Mas ele é muito amplo, então fazemos só o que podemos. O que é pouquíssimo. Por isso também queria trocar ideia com as outras publicações. Estamos, por exemplo, há um bom tempo fazendo uma retrospectiva da década passada. Fizemos também do Mojica, entende? Acreditamos que preservar é isso, uma ação dinâmica, sabe? Não é manter como era, mas manter vivo, cantar junto. Trabalhamos com preservação mesmo, sabe? Preservação de ideias, de filmes, de métodos de expressão…
Euller Felix: Os textos de vocês são muito mais reflexivos do que encontramos normalmente na internet hoje em dia. Você acha que essa reflexão mais cuidadosa com o filme está se perdendo e as pessoas estão buscando mais um imediatismo de lançar primeiro ou coisas assim?
Juliano Gomes: Acho que a escala de tudo aumentou. Essa é uma impressão empírica. Não consigo fazer um retrato preciso. teríamos que pesquisar. Inclusive seria interessante pesquisar, fazer levantamentos. Fica a minha sugestão.
Quando você diz reflexivo você quer dizer cabeçudo, né?
Essa sensação tem várias razões contextuais. Acho que o novo capitalismo produz e catalisa um certo anti intelectualismo, que marginaliza um pouco a produção de pensamento em geral. Mas, de fato, nesses quinze anos, a Cinética produziu um bom número de textos de fôlego que encarar de frente a complexidade dos problemas da arte, da política, e da percepção. Mas, nesse sentido, temos buscado variar métodos e modos de expressão, sabe?
O reflexivo acho que tem a ver com um tentativa de reflexão constante sobre a voz crítica e sobre os materiais em análise, sabe? Talvez estejamos falando de uma ensaística, não sei. Acho que pra gente isso tem a ver com respeito mesmo, sabe? Em relação ao ofício e aos filmes. Nós estamos tentando variar os formatos e os tons do que publicamos, mais intensamente desde 2019 – que era uma coisa que rolava mais na primeira Cinética lá atrás. Mas assim, não que as outras abordagens sejam desrespeitosas… Temos tentado que nossas sejam variadas, temos investido nisso: diálogos, video-ensaios. textos coletivos…
Tem esse respeito à complexidade, saca? E a tentativa que o texto seja também uma pequena jornada em torno de algo novo, mas que, nos melhores casos, se possa verificar que sempre esteve ali, entende? Acho que essa é a jogada principal: trazer algo novo, uma associação nova, que, pela costura, você possa sugerir e demonstrar que há indícios materiais, coletivamente verificáveis, que embasam o gesto crítico. Entende? É a simples tentativa de que cada texto “faça diferença”.
Vivemos uma época muito narcisista, sabe? E as redes sociais catalisam essa coisa de se projetar individualmente. Em todos os sentidos e instâncias. Por um lado, isso embasa um relativismo absoluto: “essa é sua opinião”, “cada um vai pensar uma coisa”. Isso me parece um problema de uma época liberal. Você não pegou a propaganda do cigarro Free: “cada um na sua”, né? Isso hoje ficou fortíssimo, essa liberdade falsa. Acho que há uma medida nisso, que não é autoritária. As coisas têm certa geografia, nem tudo é tudo, sabe? Tudo tem certa face evidente, certa face menos evidente, e que talvez mais de uma pessoa verificar, e isso não é restritivo, sabe? É claro que há coisas que algumas pessoas tendem a perceber e outras não. Normal. Porém, há uma dimensão comum, variável. Nós tentamos trabalhar nessa área, apostando que há uma possibilidade comum de sentir certas coisas. O texto é um convite pra isso, para a construção de um sentir junto, a partir de uma coisa vista e ouvida. Não um consenso mas uma composição, uma aposta. Crítica tem a ver com risco, quem tem a ver com vulnerabilidade, que é sinônimo de sensibilidade. Por isso, dá medo e vergonha publicar um texto, é exposição mesmo. Quanto mais forte um texto, mais vergonha ele nos dá, acho. Coisas transformadoras são mesmo cringe. Porque violam o normal, né?
No mundo de hoje, a coletividade precisa ser palavra de ordem. Publicamos também um texto coletivo, uma conversa motivada pela tradução do texto de Girish Shambu, onde não dizia qual fala era de quem, mas havia o nome de todo mundo. Qual era a questão: individualidade. Tentamos uma espécie de resposta metodológica. Temos pensado muito nisso, sabe, Euller? Em método, prática… Testar métodos. É nossa resposta ao humanismo e racionalismo exacerbados.
Porque assim: no fundo, crítica tem a ver com dividir um excesso. O que sentimos é meio que um “excesso” – quem sente, sabe, essa coisa que a gente precisa dividir. Especialmente se é um sentimento forte. O que fazemos então: partilhar com outras o excesso, tentando organizá-lo pra outra pessoa. Só que aí tá a questão: sinto esse excesso, mas ele não é “meu”, entende? Ele é causado por um objeto e uma circunstância. Portanto, essa individualização é um fato meio falso, parcial, fraco… Não faz sentido ficar performando superstar por aí, sabe? Porque nosso material de trabalho não é nosso. Nós trabalhamos dividindo e organizando o que é de ninguém. E isso é bonito, nós gostamos. As melhores coisas de se estar vivo são todas de ninguém. Então, essa egolombra que paira por aí é bobeira, sabe? A gente é grão de areia. O mundo é esse buraco porque os sapiens sapiens se acham muito. Se a gente não aprender a segurar um pouco o narciso, os trabalhos ficarão melhores, entende? Tem um povo indígena , que esqueci o nome, onde a lógica é essa: a gente só tem o que a gente dá. É mais dádiva do que acumulação.
Mas o extremo, a egolombra, o superlativo, dão engajamento nas redes, sabe? Todo mundo tá sendo empurrado pra trabalhar 24h com publicidade extrema de si. Isso não é animador pra nós. E ficamos nos perguntando como trafegar nisso, porque nós trabalhamos com medida e escala. Se a gente fala que todo filme é o melhor do mundo – daria muito acesso – mas o trabalho para de fazer sentido. Porém, o ambiente de internet pós 2015-16 conduz demais a isso. É um desafio, não nichar muito, e não jogar esses joguinhos de performatizar o intenso. Não desejamos o neutro, claro que não, mas não dá pra ignorar esse ambiente onde Trump e Bolsonaro surfam, né? Isso pega em todos nós.
Acabei fazendo um “texto reflexivo” aqui – o que atesta sua hipótese hehehehe – , mas enfim, quis tentar descrever nossas razões ao buscar fazer as coisas do jeito que buscamos na revista. Mas não tentamos necessariamente ser “reflexivas” não. E nem sempre somos. veja por exemplo o texto da Maria Trika na pauta Mojica, ou o meu, na mesma pauta. Estamos tentando acentuar também a performatização das vozes, enfim…
Euller Felix: Para você, qual é a função da crítica de cinema? E como você vê a crítica que é produzida hoje em dia?
Juliano Gomes: Diria que é avivar os vínculos.
Um filme associa e mistura um monte de coisas, imagens, sons, texturas, tons, palavras, um monte de coisa.
Aí, a gente tenta, ao mesmo tempo, esticar essas ligações pra além delas mesmas. testar as ideias que estão ali, pra ver o quanto elas aguentam, sabe? Isso, reconhecendo que, ali, no corpo de filme, se produziram ideias. Isso é importante, esse sublinhar. Ideais que são produzidas como um filme mesmo, não são exatamente as ideias de quem dirige, mas do filme. Não podemos virar cracudos do humanismo, sabe? Vendo intenções humanas em tudo, sabe? É uma paranóia restritiva. Quem vê intenções em tudo é o Bolsonaro, pô. Por isso, ele é viral, inclusive. Dentro de um filme muita coisa trabalha: situações, conjunturas, acaso, forças variadas. Quando eu tô escrevendo esse texto pra você, não tenho nada premeditado. To aqui na minha casa, no meu laptop e vai saindo. Esse “vai saindo” acontece com os filmes também. A crítica deve sempre buscar o que “vai saindo”, entende? Essas coisas que se “intrometem” mas que ninguém chamou. Sabe? A vida é isso, né: uma sucessão agridoce de intromissões. Filmes acabam tendo algo disso também. Então, nós meio que oferecemos aos outros nossa atenção (olha atenção como moeda aí de novo), podemos tentar buscar isso. “Isso” que não é de ninguém. Que dizemos que é “do filme”. Mas nem dele mesmo é, dizemos “filme” como sinônimo de uma encruzilhada entre muitas coisas.
Então, acho que essa é umas principais funções: trabalhar registrando e re-produzindo o que não é de ninguém, o que é do encontro entre as coisas, descrevendo as dimensões disso.
Além do que já te falei, aqui é Brasil, colônia. Tudo desaparece. É outro registro ontológico. Então, uma crítica vai ser às vezes a única coisa que vai sobrar de um filme. É aquela coisa de “salvar” que falei acima. É preservação. É: “o que desejo preservar?”. Essa pergunta é diária. Que é um pouco a do artista também, o que gravar, o que esticar. Acho que a função é esticar. E tornar as ligações vivas, reconduzir a festa das coisas, re-eletrizar as afinidades, os contrastes, sabe? Espalhar o excesso que sentimos e tentar organizá-lo pro outro (o excesso é a paixão, a organização dele, o amor). E exercitar uma coisa que me parece vital: todo mundo precisa amar alguma coisa que não seja só a si mesmo, sabe? A crítica ela tem isso por definição, não se faz só. Ela vive num menáge permanente entre o filme, o próprio olhar, e o “mundo”. O ideal, como em qualquer encontro, é que os três desejos estejam satisfeitos, mas sabemos que isso é difícil, né? Por isso, organizar é importante. Se for só no seu desejo privado, na idealização, no “que eu acho e sinto”, dá menos certo. Crítica é, afinal, uma escola de experimentação da alteridade. E isso é bonito, esse ensaio permanente. É no que acredito.
A foto do post foi tirada por Fernando Lara