Não existe imparcialidade. Em nenhum campo de pesquisa/estudo. No cinema, por exemplo, não existe a possibilidade de se assistir algo sem levar em consideração os seus princípios, pensamentos e questões morais. Têm uma frase de um pensador peruano chamado José Carlos Mariátegui e que norteia meus pensamentos desde que li, ele fala: “Repito mais uma vez que não sou um crítico imparcial e objetivo. Meus juízos se nutrem de meus ideais, dos meus sentimentos, de minhas paixões”. Aqui, todas as minhas críticas, textos e comentários são baseadas em meus ideais, sentimentos e paixões.
Dito isso, tenho um ideal no cinema de que não há a possibilidade de um filme sobre o horror da Segunda Guerra Mundial e do horror do nazismo sem, de fato, expor que aquilo ali foi um momento de horror. Não existe para mim a possibilidade de um filme sobre o assunto humanizar ou, ao menos, buscar uma aproximação psicológica com os carrascos e responsáveis por tais atos. Uma vez eu li a frase de que o cinema não é carteiro, então não têm a responsabilidade de entregar mensagens, mas, ao mesmo tempo, acredito que denunciar o nazismo e aquele horror que aquelas pessoas passaram é um valor inegociável de qualquer pessoa.
Aqui até cabe fazer um pequeno parênteses, já que existem alguns filmes que são sempre lembrados como “bons exemplos” de filmes sobre o tema, mas que na verdade vão direto no campo da humanização do algoz. Esses filmes incorrem em erros históricos e ideológicos, passando longe de ser um bom exemplo artístico de lidar com este tema.
E, enfim, chegamos ao novo filme de Jonathan Glazer, Zona de Interesse. Antes de mais nada é importante dizer que não há humanização do carrasco aqui. Os personagens são todos frios e a única coisa que você consegue sentir por todos eles ali é nojo e repulsa.
Se olharmos bem para a construção do filme só vemos frieza. A estética ali é de falta de humanidade. Você não sente que está vendo humanos naquelas imagens. Com exceção de uma garota que está colocando algo para os prisioneiros encontrarem e comer. Não dá para sentir a humanidade de ninguém da família que acompanhamos, provavelmente é pelo fato de que eles não têm nenhuma.
Por conta desta frieza estética é que atribuem ao filme a discussão do texto de Hannah Arendt “banalidade do mal” em que as pessoas convivem com a maldade sem parecer se preocupar com o que estão fazendo. Aquela família que acompanhamos por pouco mais de uma hora e quarenta sabe o que está acontecendo e simplesmente não se importa. Aliás, se importa apenas em tirar vantagens, roubando roupas e demais bens.
Pensando bem, não há uma “banalidade do mal”, mas sim um aproveitamento dessa maldade por parte dessas pessoas que decidiram abandonar o status de seres humanos. Preciso até reler o texto de Arendt para ver se me não vem mais reflexões sobre o filme e os tempos em que estamos vivendo.
Vale mencionar os momentos finais do filme. Não há um plot ou um fechamento da história e nem nada disso, há uma ligação entre o passado e o presente. Entre o horror daqueles acontecimentos e a memória e a simbologia.
E é importante dizer que não há uma exposição objetiva da maldade, tudo está subjetivo. Sabemos que está ali, sabemos o que está acontecendo, mas não precisamos ver. Não precisa nem ser falado. Há a sugestão pelas imagens e isto basta. É assim que é Zona de Interesse, um filme frio, sugestivo e subjetivo.
Passei por diversos caminhos e diversos assuntos, mas volto ao filme de Glazer. Gostei menos do que esperava pelo tanto que li sobre ele, mas ainda assim é mais honesto do que muitos filmes sobre o tema (inclusive aqueles que são conhecidos por serem referência sobre o assunto).